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Sinal de setorização – Breves comentários aos novos artigos 13-A e 13-B do CPP (Lei n.º 13.344/16)

Em salutar atualização legislativa, a Lei n.º 13.344/16, acrescentou os artigos 13-A e 13-B ao Código de Processo Penal Brasileiro, além de outros acréscimos e modificações ao Código Penal e ao Estatuto do Estrangeiro.

Claramente, a lei em comento visou aumentar os mecanismos de repressão aos crimes de tráfico interno e internacional de pessoas, redução à condição análoga à de escravo, cárcere privado e sequestro, extorsão com restrição da liberdade da vítima, extorsão mediante sequestro e tráfico internacional de crianças, todos tendo a liberdade como bem tutelado.

Apesar de algumas impropriedades, como se verá nos comentários a seguir, a inovação legislativa trouxe avanços significativos para a investigação relacionada às esses delitos.

Comentários ao art. 13-A do CPP

Art. 13-A.  Nos crimes previstos nos arts. 148, 149 e 149-A, no § 3º do art. 158 e no art. 159 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e no art. 239 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos. 

Parágrafo único. A requisição, que será atendida no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, conterá: 

I – o nome da autoridade requisitante; 

II – o número do inquérito policial; e 

III – a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pela investigação.” 

Do poder de requisição

Inicialmente, cumpre dizer que o art. 13-A do CPB, prevê de forma expressa os crimes em que o Delegado de Polícia e o Ministério Público estão autorizados a requisitar dados e informações cadastrais de vítimas ou de suspeitos aos órgãos públicos ou empresas da iniciativa privada. Os crimes mencionados são:

  1. Sequestro ou cárcere privado (art. 148, do CPB);
  2. Redução à condição análoga à de escravo (art. 149, do CPB);
  3. Tráfico de pessoas (art. 149-A, do CPB);
  4. Extorsão com restrição da liberdade da vítima (§3º, do CPB);
  5. Extorsão mediante sequestro (art. 159, do CPB);
  6. Tráfico internacional de crianças (art. 239, do CPB).

De imediato, o primeiro questionamento que surge é se na apuração dos demais crimes o Delegado de Polícia ou membro MP não teriam o mesmo poder requisitório em relação aos dados cadastrais de vítimas e suspeitos.

Por oportuno, necessário ressaltar que no que tange ao poder requisitório do MP, se mantém intacto, nos termos do inciso IV, do art. 129, da CF/88 e ainda com base na Lei n.º 8.625/93 (art. 1º, I, “b”, e II) e LC nº 75/93 (art. 8º, II e IV), não havendo se falar em limitação do poder requisitório.

Em relação ao Delegado, há se mencionar o Poder Geral de Polícia, estatuído pelo art. 144, §§ 1º e 4º, da CF/88, e ainda no art. 6º, do CPP, compreendido como o poder-dever de apurar infrações penais. Para tanto, o poder requisitório em relação a dados cadastrais constantes em quaisquer órgãos públicos ou entidades privadas (§ 2º, do art. 2º da Lei n.º 12.830/13), permanece incólume, a fim de angariar elementos suficientes para esclarecer infrações penais, com materialidade e autoria.

Lembra-se ainda a previsão constante nos preceitos normativos dos art. 15, da Lei n.º 12.850/13 e art. 17-B da Lei 12.683/12, que autorizam a requisição direta de dados cadastrais em poder de empresas de telefonia móvel, instituições financeiras, provedores de internet, administradoras de cartão de crédito e da Justiça Eleitoral.

Portanto, nesse aspecto, não houve substancial inovação legislativa, apenas reafirmação do poder requisitório do MP e do Delegado de Polícia, mitigado somente por dados resguardados pela reserva jurisdicional, a exemplo da inviolabilidade domiciliar (CF, art. 5º, inciso XI), sigilo das comunicações telefônicas (CF, art. 5º, inciso XII) etc.

Cumpre esclarecer de maneira perfunctória, que informações sobre dados estáticos, compreendidos como aqueles que não mudam ou se modificam raramente, como nomes, endereços, números de telefones (sem histórico de chamadas), número de Cadastro de Pessoas Físicas – CPF, número de Registro Geral – RG, número de conta bancária (sem histórico de movimentações financeiras), prontuário médico etc., são dados passíveis de serem obtidos diretamente pelo Delegado de Polícia por requisição direta, sem intervenção do Poder Judiciário. Não representam comunicação de dados (art. 5º, XII, da CF/88), mas sim meros dados de identificação.

Do prazo

Salutar a previsão de prazo para atendimento da requisição, isto porque dispositivos semelhantes que preveem a obrigatoriedade de envio dos dados cadastrais, não têm previsão de prazo para atendimento. Agora, o prazo foi estabelecido em 24 horas para cumprimento da requisição, devido à urgência. Saliente-se que a lei não limita o atendimento à situação de crime em curso, aliás, essa informação não precisa sequer constar no ofício de requisição.

Há se notar ainda, a possibilidade de aplicação analógica do prazo de 24 horas aos dados requisitados por previsão dos art. 15, da Lei n.º 12.850/13 e 17-B, da Lei n.º 12.683/12.

Dados do documento requisitório

Por outro lado, houve importante novidade legislativa no que diz respeito aos dados que necessitam constar no documento requisitório, geralmente um ofício. Determinando a lei que o nome da autoridade requisitante, o número do inquérito policial e a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pela investigação precisam estar expressos.

Pela redação da lei, apesar de outorgar ao MP poderes investigatórios, infere-se que deve haver atuação conjunta entre o órgão ministerial e a Polícia Judiciária, caso aquele queria participar das investigações, isto porque a lei é clara ao exigir o número do Inquérito Policial e da unidade policial responsável pela investigação. Desse modo, como membro do MP não preside inquérito, nem tampouco é lotado em unidade policial, para preencher devidamente os requisitos legais, deve haver inquérito instaurado e consequente participação da Polícia Judiciária.

Outra interpretação que pode surgir é a adaptação dos dados correspondentes do Ministério Público, com o nome da promotoria responsável e o número do procedimento análogo ao inquérito policial (chamado comumente de Procedimento Investigatório Criminal – PIC).

No entanto, lembra-se que de acordo com decisão da Suprema Corte sobre os poderes investigativos do MP, a atuação do MP deve ser subsidiária à da Polícia Judiciária (STF, HC 593727-MG).

Comentários ao art. 13-B do  CPP

Art. 13-B.  Se necessário à prevenção e à repressão dos crimes relacionados ao tráfico de pessoas, o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderão requisitar, mediante autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso.

1o Para os efeitos deste artigo, sinal significa posicionamento da estação de cobertura, setorização e intensidade de radiofrequência.

2o Na hipótese de que trata o caput, o sinal:

I – não permitirá acesso ao conteúdo da comunicação de qualquer natureza, que dependerá de autorização judicial, conforme disposto em lei; 

II – deverá ser fornecido pela prestadora de telefonia móvel celular por período não superior a 30 (trinta) dias, renovável por uma única vez, por igual período; 

III – para períodos superiores àquele de que trata o inciso II, será necessária a apresentação de ordem judicial.

3o Na hipótese prevista neste artigo, o inquérito policial deverá ser instaurado no prazo máximo de 72 (setenta e duas) horas, contado do registro da respectiva ocorrência policial.

4o Não havendo manifestação judicial no prazo de 12 (doze) horas, a autoridade competente requisitará às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso, com imediata comunicação ao juiz.

Do alcance dos crimes relacionados ao tráfico de pessoas

O art. 13-B permite ao Delegado e membro do Ministério Público a “requisição”, mediante autorização judicial, de dados que permitam a localização de vítima ou suspeitos de delitos em curso, relacionados ao tráfico de pessoas.

A nosso sentir, os delitos relacionados ao tráfico de pessoas, com a revogação expressa dos tipos penais previstos no art. 231 e 231-A do CPB pelo art. 16 da Lei n.º 13.344/16, são apenas os crimes previstos no art. 149-A, trazido pela própria lei em análise, e o art. 239, do ECA.

Incompreensível a limitação legal, na medida em que diversos outros delitos podem necessitar de dados de localização de vítima ou suspeitos, como, por exemplo, o crime de extorsão mediante sequestro, extorsão com restrição da liberdade da vítima etc.

Assim, indaga-se, nesses casos não haveria permissivo legal para a requisição de dados de localização disponíveis pelas empresas prestadoras de serviço de telecomunicações?

Não há como limitar um meio de obtenção de prova e, sobretudo um meio que possibilite salvar a vida de eventual vítima, a determinados crimes.

Desse modo, há se conceder ao dispositivo legal interpretação extensiva para abarcar todos os crimes em que a vida da vítima está em risco constante e se faz necessária a atuação policial imediata, como, por exemplo, os próprios delitos previstos no caput do art. 13-A, do CPP.

Outro ponto relevante para ser apontado, é a necessidade de o delito estar em curso, ou seja, que o crime relacionado ao tráfico de pessoas esteja ocorrendo no momento da requisição.

Apesar de tal previsão, as empresas prestadoras de serviços de telefonia e/ou telemática não poderão recusar atendimento por esse motivo, simplesmente pelo fato de o teor do ofício não precisar constar detalhes da investigação. Assim, o controle do crime que está sendo investigado deve ser feito pelo Poder Judiciário, não pelas empresas privadas.

Da impropriedade da expressão “requisição”

O caput do art. 13-B menciona que o Delegado de Polícia ou membro do MP “poderão requisitar, mediante autorização judicial …”. há notória impropriedade no uso da expressão requisitar, pois se requisição fosse, não seria necessária a intervenção do Poder Judiciário. Na verdade, acreditamos que a lei quis dizer que o Delegado de Polícia representará e o membro do Ministério Público requererá ao Poder Judiciário para que determine às empresas prestadoras de telefonia e/ou dados telemáticos o envio das informações necessárias.

A requisição não é mera solicitação, mas determinação fundamentada e acurada em poder estabelecido por lei. Sendo assim, tem força coercitiva de cumprimento, podendo caracterizar o crime de desobediência o não atendimento, ou outro delito específico, a exemplo do crime previsto no art. 21, da Lei n.º 12.850-13 ou art. 319 do CPB – prevaricação, se demonstrado a finalidade de satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Desse modo, requisição dispensa a intervenção do Poder Judiciário como intermediário.

No caso em apreço, há necessidade de autorização judicial, por isso entendemos equivocada a expressão “requisitar”, sendo seu uso mais apropriado, de fato, nas circunstâncias descrita no § 4º, do art. 13-B, como se explanará nas linhas a seguir.

Do conceito de sinal de setorização

O § 1º, do art. 13-B já conceitua o sinal a que se refere a lei como sendo aquele de  posicionamento da estação de cobertura, setorização e intensidade de radiofreqüência, diferenciando-o da interceptação telefônica, que é tratada na Lei n.º 9.296/96, com requisitos próprios (§ 2º, I, do art. 13-B).

Para o leitor que não está familiarizado com os termos posicionamento da estação de cobertura, setorização e intensidade de radiofreqüência, explica-se a importância deste dispositivo legal para o sucesso de investigações dessa natureza, inclusive aumentando a possibilidade de salvar a vida da vítima.

Isto porque possibilita à Polícia Judiciária saber, com certo grau de precisão, a localização do usuário de determinado aparelho celular ou outro dispositivo móvel que usa telefonia ou transmissão de dados telemáticos.

Através da intensidade do sinal enviado pelo aparelho celular às Estações Rádio-Base – ERBs, é possível fazer uma triangulação, apontando a localização do aparelho celular, mesmo sem que ligações estejam sendo efetuadas (conforme figura acima).

Desse modo, em um caso de sequestro ou condução de pessoa para ser traficada para outro país, por exemplo, caso saiba-se a linha telefônica ou IMEI utilizado pela vítima ou pelo suspeito, abre-se a possibilidade para conhecimento de sua localização precisa, o que, certamente, aumentam as chances de sucesso da prisão dos envolvidos e resgate da vítima, inclusive como cooperação internacional, em casos específicos.

Com efeito, os dados referentes à localização, não contém qualquer conteúdo de conversas telefônicas ou de transmissão de dados telemáticos, que devem ser objeto autorização judicial específica.

Do período de disponibilização do sinal de setorização

A lei limita em 30 dias, renováveis por igual período por uma única vez o tempo em que as empresas disponibilizarão o sinal para a autoridade que fez a requisição (§2º, II).

Por outro lado, o § 2º, III, do art. 13-B, possibilita a ampliação do prazo se apresentada ordem judicial.

Podemos extrair duas interpretações dos dispositivos em análise. A primeira é que há se reconhecer que uma vez deferida a ordem judicial já está implícita a autorização para o envio do sinal de setorização por 30 dias renováveis por igual período. Contudo, para período superior aos 60 dias se faz necessária nova ordem judicial, mediante renovação do pedido pela autoridade responsável pela condução da investigação.

A segunda, que parece-nos mais apropriada, é que no período de 60 dias pode o Delegado de Polícia ter acesso aos dados de setorização independente e ordem judicial, considerando que não houve análise da representação pelo Poder Judiciário nas primeiras 12 horas.

Ressalta-se que não cabe às empresas prestadoras de serviços de telefonia fazer análise se houve pedido à Justiça ou não, este controle deve ser feito pelo próprio Judiciário ou Ministério Público, nunca por empresas privadas. Lembra-se que há determinação para instauração de inquérito policial nesses casos justamente para possibilitar a fiscalização e evitar o uso indiscriminado dessa diligência.

Da determinação de instauração de IP

No § 3º, do art. 13-B, há determinação para instauração do Inquérito Policial em 72 horas, contados do registro do Boletim de Ocorrência.

Bem, ao que parece, o dispositivo em análise tem por finalidade evitar o uso indiscriminado desta técnica de investigação. Ademais, como se ver, não há necessidade de prévia instauração de IP para representar ou requer ao Poder Judiciário pela implementação da medida.

Caso antes de passadas as 72 horas do registro do Boletim de Ocorrência, se tenha esclarecido que não houve crime, apenas mera suspeita de crime, como ocorre quando a suposta vítima, na realidade, foge de casa sem avisar os parentes, não há necessidade de instauração de IP, porque trata-se de fato atípico, apenas comunicação circunstanciada ao juízo que deferiu a medida sobre os detalhes do caso, para justificar a desnecessidade de instaurar IP.

Da ausência de manifestação judicial

Finalmente, a lei não negligenciado a demora do Poder Judiciário em deferir determinadas medidas urgentes, caso a representação do Delegado de Polícia ou requerimento do Ministério Público não tenha sido apreciado pelo magistrado responsável, pode de imediato, por autoridade própria, a autoridade responsável requisitar diretamente os dados às empresas prestadoras de serviço de telefonia e/ou dados telemáticos.

Como se nota, nesse caso a autoridade deverá comunicar ao juízo que devido a mora na apreciação do pedido, se fez necessária atuação imediata.

Inédita previsão desta natureza na legislação processual penal brasileira, e merece aplausos, eis que considerou a imperiosa necessidade de implementação imediata da requisição, de maneira a assegurar o resultado útil das investigações, sobretudo diminuir o risco de morte da vítima ou transposição de fronteiras (no caso do tráfico internacional de pessoas), quando a ação policial se tornaria quase ineficaz e mais dificultosa.

Houve uma espécie de vislumbre legal do fumus boni iuri e periculum in mora por parte do próprio Poder Judiciário. Por outro lado, criou um prazo em horas para que o juízo responsável aprecie o pedido, sob pena de execução imediata do que foi pleiteado.

Por óbvio, uma vez feita a comunicação sobre a implementação da requisição, o juízo competente poderá sustá-la, se abusiva, ou mantê-la, se condizente com os requisitos legais. Dessa forma, o controle da ação da autoridade será posterior e não prévio como na hipótese do caput do art. 13-B.

De qualquer maneira, essas são apenas as impressões iniciais da inovação legislativa, ainda carente de manifestação doutrinária e jurisprudencial para melhor delinear os meandros de sua aplicação.

Finalmente, impende informar que a Lei entra em vigor após 45 dias da sua publicação, que ocorreu no dia 06/10/2016.

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Sobre o autor: Paulo Reyner é atualmente Delegado de Polícia Civil e ex-Policial Militar. Graduado em Direito pela Universidade do Distrito Federal – UDF, Especialista em Ciências Criminais e Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública.

 

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