Por Joaquim Leitão Júnior[i] e Marcel Gomes de Oliveira[ii]
Entrou em vigor a Lei nº 13.869/2019 (Nova Lei de Abuso de Autoridade) trazendo uma nova figura incriminadora – objeto de exame do presente artigo que merece destaque – dentre tantas outras, consistente em crime de prolongar injustificadamente à investigação ou fiscalização perante a Nova Lei de Abuso de Autoridade.
O art. 31, da Lei nº 13.869/2019 (Nova Lei de Abuso de Autoridade) incriminou a conduta de:
“Art. 31. Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, inexistindo prazo para execução ou conclusão de procedimento, o estende de forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do fiscalizado”.
Inicialmente cabe destacar que a Constituição Federal no art. 5º, XLI determinou que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Assim, ao tipificar tal conduta o legislador buscou primariamente resguardar os direitos e garantias fundamentais, especialmente no tocante ao princípio da não culpabilidade.
Notadamente, a conduta descrita no artigo em comento viola o seguinte direito e garantia fundamental, previsto no art. 5º, LXXXVIII, da CF/88: “LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Acerca da demora em investigação policial, o próprio Superior Tribunal de Justiça já deliberou em 2008 e 2013, trancando a investigação que durava cerca de sete anos em ambos os casos por inércia do Estado, respectivamente no Habeas Corpus nº 96.666/MA e no Habeas Corpus nº 209.406/RJ, na qual havia um indiciado por crime de homicídio, mas o Estado-investigação e o Estado-acusador não foram diligentes o suficiente e interromperam a atuação no indiciamento. Diante de variadas fontes, a duração razoável da investigação criminal é realidade em nosso ordenamento, somando-se como garantia fundamental ao instituto da prescrição penal.
O objeto material do delito em apreço é a investigação a ser estendida de forma injustificada ou procrastinada em prejuízo do investigado ou fiscalizado. Logo, há de se atentar que o tipo penal não contenta com a mera e simplista demora. Deve haver, portanto, algo injustificável para tanto. Daí se dizer que o excesso de labor, cumulação de Delegacias e falta de efetivo pessoal, perícias complexas, grande quantidade de vítimas, poderão,por exemplo, ser sem dúvidas, argumentos a rechaçar este tipo penal.
Por sua vez, o núcleo do tipo é estender que significa alargar, alongar, prolongar. O tipo penal incriminador em cartaz responsabiliza na seara criminal a conduta de alongar injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado.
O parágrafo único por sua vez, tem modalidade equiparada similar ao caput, todavia, se distinguindo pelo fato de inexistir prazo para a conclusão do procedimento e o agente o estende de forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do fiscalizado. Sendo assim, pela exegese do dispositivo, subentende-se que no caso do caput haveria prazo pré-determinado, enquanto no parágrafo único não haveria.
Como podemos notar, cuida-se de crime próprio, só podendo ser praticado por agente público (conceito amplo do art. 2º da presente lei), embora registramos que perante a regra do art. 30 do Código Penal Brasileiro, as circunstâncias de caráter pessoal, quando elementares do crime, se comunicarão aos demais concorrentes. Portanto, é perfeitamente possível o particular ser coautor do delito em tela, desde que tenha conhecimento da condição de funcionário público do agente. O sujeito passivo direto é o investigado ou fiscalizado, já o indireto é administração pública.
Retomando a discussão sobre o alongamento “injustificado”ou “imotivado” da investigação, com procrastinação em prejuízo do investigado ou fiscalizado, teremos como justificativas para não incidência do tipo penal, hipotéticos excessos de procedimento de investigação, falta de Delegados de Polícia, agentes de investigação, faltas de escrivães, acúmulo de unidades policiais como já dito entre outras situações que, são fatores que estendem de forma justificada a demora na conclusão de investigação. Tendo em vista que o termo “injustificado” se trata de elemento normativo do tipo, há de se concluir que, no caso concreto, dependerá de um juízo de valoração daquilo que viria ser “injustificado”.
Guardada as proporções devidas, o mesmo se dá em relação a procedimentos de fiscalização, embora tenhamos que registrar que o legislador não andou bem a usar esta expressão investigação e ao final fiscalizado do art. 31 desta Lei, embora intuitivamente se extrai que a investigação poderia ser algo na seara fiscal-tributária, administrativo-disciplinar, por exemplo, entre outras – o que é lamentável, pois em tipos penais o princípio da taxatividade ou do mandato de certeza é importantíssimo e não poderia ter sido desprezado.
Assim, pode se dizer que o investigado ou fiscalizado, diante da procrastinação justificada, poderá até mesmo buscar o trancamento do procedimento, por exemplo, trancamento de inquérito policial por via de habeas corpus, mas jamais se imputar ao agente o delito em tela.
De outro vértice, caso não exista prazo para execução ou conclusão de procedimento, a extensão de forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do fiscalizado deverá ser aferida no caso concreto, observando que da mesma forma que o termo injustificadamente integra o tipo penal como seu elemento normativo. Deste modo, podemos sustentar que a expressão “imotivada”, deverá ser aferida, pois se houver motivo plausível da justificativa, não terá que se falar em crime por total atipicidade da conduta.
No mais, o crime se consuma no momento em que o agente estende de forma injustificada a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado; ou então no momento em que, inexistindo prazo para execução ou conclusão de procedimento, o estende de forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do fiscalizado. Por se tratar de crime plurissubsistente seria perfeitamente possível a tentativa, embora de difícil visualização prática.
Por derradeiro, temos na nova lei de abuso de autoridade aquilo que denominamos de “duplo elemento subjetivo específico (ou especial)”, ou seja, sabe-se que o art. 1º, §1º define como finalidade específica de “prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”, porém, o artigo em comento reduz mais ainda o seu campo de atuação, vez que traz como elemento subjetivo específico o fato de “procrastinar – a investigação – em prejuízo do investigado ou fiscalizado”.
Ponto interessante seria o fato de o agente prolongar a investigação com o objetivo de favorecer o investigado ou fiscalizado, nesta situação poderia incorrer no delito de prevaricação (art. 319, CP).
No que tange a pena, verifica-se que é de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Tratando-se, assim, de delito de menor potencial ofensivo, perfeitamente aplicável o procedimento especial da lei nº. 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais).
Das considerações finais
Enfim, para configuração do novel crime de prolongar injustificadamente a investigação criminal entre outras contidas na Nova Lei de Abuso de Autoridade, deverá restar claro que houve um alongamento demasiado diante do prazo previsto da tramitação do procedimento policial entre outros procedimentos sem justificativa plausível, devendo ser feito uma análise diante de cada caso concreto.
De contrário, caso
não exista prazo para execução ou conclusão de procedimento, a extensão de
forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do fiscalizado
deverá ser aferida no caso concreto, observando que da mesma forma que o termo injustificadamente
integra o tipo penal como seu elemento normativo. Em arremate, podemos
sustentar que a expressão “imotivada”, deverá ser aferida “in concreto”,
pois se houver motivo plausível da justificativa, não terá que se falar em
crime por total atipicidade da conduta.
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[i] Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso, atualmente lotado como Assessor Institucional da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Colunista do site Justiça e Polícia, coautor de obra jurídica e autor de artigos jurídicos.
[ii] Delegado de Polícia no Estado do Mato Grosso, atualmente lotado na Delegacia Especializada de Homicídio e Proteção à Pessoa – DHPP. Especialista em Direito do Estado. Especialista em Metodologia do Ensino Superior. Atualmente é professor de cursos preparatórios para concursos públicos e professor da Academia de Polícia Judiciária Civil do Estado do Mato Grosso – ACADEPOL/MT.
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