Por Joaquim Leitão Júnior e Stenio Henrique Sousa Guimarães
Sem ingressarmos no mérito do acerto ou não da execução provisória de pena em 2.ª instância, fato é que isso traz como consequência a problemática da prescrição.
O transcurso de tempo irradia efeitos no Direito e desempenha papel crucial nas relações pessoais, sociais, entre outras, e isso não é diferente na seara penal, até porque, com exceção das hipóteses constitucionais e convencionais da imprescritibilidade, as situações não podem ser ad aeternum, em evidente prestígio aos postulados da segurança jurídica e da estabilidade das relações.
Com a mudança de entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal, pela maioria dos Ministros da atual composição, admitindo a execução provisória de pena em 2.ª instância, entendimento esse sufragado também pelo Superior Tribunal de Justiça e pelos demais Tribunais, mesmo por conta da repercussão geral[2], pouco se debateu nesse terreno bem estéril ainda e insólito sobre a problemática da prescrição.
Afinal, incide prescrição na execução provisória de pena em 2.ª instância? E. em caso afirmativo, qual espécie de prescrição a incidir no caso?
Não temos dúvidas de que a resposta deve ser no sentido de que incide a prescrição e por várias razões, mas principalmente porque, com exceção das hipóteses constitucionais e convencionais da imprescritibilidade, as situações na esfera penal não podem ser ad aeternum por conta das consequências gravosas e estigmatizadoras em responder por um crime.
A par disso, o Código Penal Brasileiro elenca as diretrizes prescricionais e a fórmula de computar os respectivos prazos prescricionais[3].
O grande problema está em responder a segunda indagação: qual espécie de prescrição a incidir no caso?
Para melhor facilitar a problemática, partiremos da situação hipotética em que o juízo de piso (1.ª instância) condena o réu, em que apenas a defesa recorre, transitando em julgado a sentença para a acusação. Baseada nesse entendimento, a prescrição deve se dar da data da publicação da sentença até o trânsito em julgado desta para a defesa, ou seja, orientará pela prescrição superveniente ou intercorrente – que leva em conta a pena em concreto.
Com isso, em julgamento, o Tribunal confirma a condenação e ordena a execução da pena em 2.ª instância, mas o réu continua a recorrer via recurso especial e extraordinário, embora o réu inicie o cumprimento provisório da pena. Eis a situação hipotética.
Partimos doravante para as propostas construídas ao redor do tema.
O grande promotor paulista e professor, Rogério Sanches Cunha, advoga a ideia de que, na hipótese de execução provisória de pena em 2.ª instância, estaria a incidir o instituto da prescrição da pretensão punitiva superveniente ou intercorrente – e não a prescrição da pretensão executória (uma vez não existir trânsito em julgado para as duas partes). Entretanto, sua perspectiva parte de uma interpretação, data maxima venia, a criar uma situação ímpar dentro do próprio Direito Penal. Dizemos ímpar e singular porque, como o legislador não previu marco prescricional expressamente para a execução provisória da pena, logo, parece temerário enveredar por esse caminho. Contudo, isso registramos de forma respeitosa, apenas a título de provocação ao leitor.
Em avanço às provocações, calha indagarmos: Estaria o intérprete realmente autorizado a criar hipótese ou dar abrangência interpretativa em normas de interpretação restritiva? Apesar de não concordarmos com a tese no seu aspecto central (do grande professor e promotor Rogério Sanches Cunha), um detalhe da sua exposição é comungado por nós: com esse novo entendimento do Supremo Tribunal Federal, pela admissão da execução provisória da pena em 2.ª instância, obrigará ao intérprete uma releitura, em vista dos reflexos, mas o ponto nodal está justamente em qual caminho trilhar sob o prisma técnico.
A respeitável interpretação do professor e promotor, Rogério Sanches Cunha, imprime a ideia de que não correria a prescrição na execução provisória de pena, pois não existiria inércia estatal ao julgar os recursos pendentes e de que o art. 117, inciso V, do Código Penal Brasileiro também agora teria incidência não apenas na prescrição da pretensão executória, mas também na prescrição da pretensão superveniente ou intercorrente, ou seja, seria um dispositivo ambivalente.
O art. 117 do CPB, taxativamente nos incisos V e VI, é claro em remeter sua aplicabilidade à prescrição da pretensão executória. Desse modo, o citado dispositivo teria incidência na execução provisória de pena em 2.ª instância?
Esse é outro dilema, mas, afora as situações taxativas do art. 117 do CPB, a melhor interpretação em normas com limitação ou restrição a direito (liberdade e outros desdobramentos) parece ser de não admitir a incidência dos efeitos enumerados no indigitado dispositivo legal (interpretação restritiva), a não ser no caso de enquadrar realmente na inteligência do art. 117, V, do Código Penal Brasileiro (conferida pelo legislador apenas na execução de pena definitiva – prescrição da pretensão executória).
Com o aprofundamento do trato ao tema, surge outra questão curiosa: uma condenação em 2.ª instância inédita (em que o acusado foi absolvido em 1.ª instância) teria o mesmo condão daquela situação de confirmação da condenação no juízo de piso com ratificação na 2.ª instância? Conquanto isso seja assunto para outra oportunidade, atreveríamos, de antemão, a responder que se teriam os mesmos efeitos (de se permitir uma execução provisória) nos moldes do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em vista do distinguishing[4]. No caso decidido pela Corte Máxima, ficou deliberado que a condenação em 2.ª instância, mesmo que o acusado tenha sido absolvido em instância de piso ou com pena inferior, permitiria o início da execução provisória de pena. Uma questão assaz tormentosa são os casos de prerrogativa de foro em 2.ª instância. Logo nesses casos, após o decreto condenatório e posterior ratificação em embargos de declaração com efeitos infringentes, estaria o acusado sujeito à execução provisória da pena? A respeito dessa questão pedimos vênia para sutilmente apresentar o posicionamento do Pretório Excelso[5], o qual concedeu liminar em sede de liminar em habeas corpus em que as pessoas sujeitas ao foro ratione muneris não o estão, a princípio, à execução provisória da pena. Portanto, qualquer alargamento desse entendimento parece ser algo a demandar imediata censura.
Nessa quadra, retomando as abordagens, outro questionamento se faz necessário para aclarar e projetar luz nos pontos difíceis a serem enfrentados sobre a temática, pois, como dito alhures pelo renomado promotor paulista e professor, Rogério Sanches Cunha, não recai a prescrição da pretensão executória da pena, visto que não houve trânsito em julgado do processo penal criminal para as partes, entretanto propõe corajosamente, conforme mencionamos, a incidência do artigo 117, inciso V, do Código Penal Brasileiro.
O art. 117, inciso V, do Código Penal Brasileiro preconiza que:
Causas interruptivas da prescrição
Art. 117. O curso da prescrição interrompe-se:
[…]
V – pelo início ou continuação do cumprimento da pena; (Redação dada pela Lei n.º 9.268, de 1.º.4.1996.)
2.º Interrompida a prescrição, salvo a hipótese do inciso V deste artigo, todo o prazo começa a correr, novamente, do dia da interrupção. (Redação dada pela Lei n.º 7.209, de 11.7.1984.)”
Ad argumentandum tantum, seguindo a linha de pensamento do respeitadíssimo membro do Parquet paulista, se sobre a execução provisória não recai a prescrição da pretensão executória da pena, pois não seria um martelo jurisdicional definitivo sobre o processo penal, como aplicar causas interruptivas da prescrição? Acreditamos que o argumento, embora brilhante, não se sustenta, visto que a fundamentação para a interrupção da prescrição da pretensão superveniente se utiliza do artigo 117, inciso V, do Código Penal Brasileiro, o qual faz referência expressa à pena em sua natureza definitiva (início ou continuação do cumprimento da pena).
Então, qual seria a natureza jurídica da execução provisória da pena? Estaria o preso com os seus direitos políticos suspensos? Os efeitos extrapenais poderiam ter seu start jurídico? Estaria o agente (numa condenação provisória da pena) sujeito à extração do perfil genético nos casos que a Lei permite? E, em caso de condenação em 2.ª instância, em uma das justiças especializadas como a militar? Vejamos: busquemos como paradigma o crime de desacato a militar insculpido no artigo 299 do Código Penal Militar, cujo preceito secundário é detenção de 6 meses a 2 anos, crime que, em virtude da natureza castrense, advertimos, não se aplicam os institutos despenalizadores do artigo 43 e ss. do CPB e da Lei n.º 9.099/1995; portanto, permitiríamos que sobre um civil recaísse uma medida de natureza penal tão daninha? Após essas provocações, voltemos à proposta da prescrição em face da execução provisória da pena.
Percebe-se, como um brilho de um diamante raro, que estamos diante de um tema lacunoso, perigoso e ao mesmo tempo áspero para ser debatido. Há posicionamento que pugna pela não incidência da prescrição durante o cumprimento da execução provisória da pena, como já exposto. Esse ponto nos preocupa, pois se estaria perante uma imprescritibilidade não prevista na Constituição Federal do Brasil, ou de uma analogia in malam partem do dispositivo do artigo 366 do Código de Processo Penal, cuja natureza é híbrida, ou seja, norma de cunho processual e material, ou uma nova causa impeditiva ou interruptiva da prescrição não prevista no Código Penal Brasileiro.
Nesse viés, o argumento utilizado para não incidência da prescrição ocorreria porque não haveria uma inércia ou desídia do Poder Judiciário, pois a não incidência do trânsito em julgado seria devido ao direito a recorribilidade exercido por meio de impugnações de natureza constitucional apresentadas somente pelo acusado (lembrando que na situação hipotética já teria ocorrido a coisa julgada para a acusação). Contudo, afastando qualquer visão monocular[6] garantista em relação à matéria, questionamos se uma medida tão draconiana como o impedimento ou interrupção da prescrição durante a execução provisória da pena decorreria apenas do usufruto de um direito supralegal previsto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos? Como se constata ao responder, mais uma vez percebe-se que estamos diante de uma hercúlea questão a ser enfrentada.
Afinal, qual a natureza jurídica da execução provisória da pena? É preciso urgentemente debatê-la e identificá-la como forma de promover uma exegese em relação às suas implicações quanto à prescrição criminal.
Nesse momento, gostaríamos de nos manter como Ulisses retornando da ilha de Circe[7], de modo a não nos sentirmos seduzidos por nenhum posicionamento, mas apresentar ao leitor outra possibilidade sobre a prescrição em matéria de execução provisória da pena, além da apresentada pela tecnologia jurídica (Youtube/Periscope) do professor e promotor de Justiça, Rogério Sanches Cunha.
Nesse quartel, apesar de todas as ressalvas e provocações aduzidas supra, acreditamos também ser possível a incidência da prescrição da pretensão intercorrente ou superveniente, enquanto em curso a execução provisória da pena, com fundamento no artigo 117, inciso IV, do Código Penal Brasileiro (e não nos incisos V e VI do Código Penal Brasileiro, como proposto pelo grande professor Rogério Sanches), todavia ressaltamos, por honestidade terminológica, que em matéria criminal é algo caro, que a mera possibilidade de recorribilidade possui, por si só, tem o condão de suspender o acórdão condenatório desde seu início até o trânsito em julgado do processo penal, e não os recursos, propriamente em si.
Então, resumindo-se: há a possibilidade de preencher a lacuna deixada pelos Tribunais de Superposição (STF e STJ), com a incidência da prescrição da pretensão punitiva intercorrente durante a provisoriam exsecutionem sententiae. Portanto, estariam as Cortes Superiores (STF e STJ) com prazo para julgamento estabelecido no acordão condenatório, e, dentro da margem estabelecida no artigo 110 do Código Penal Brasileiro e em corolário, o decorrer do tempo faria incidir a prescrição da pretensão superveniente, afastando do acusado o seu martírio diante de um processo penal. Em contrapartida, em relação à natureza jurídica da execução provisória da pena, ousamos diluir que se trata de uma medida imposta pelo Poder Judiciário ao acusado de forma tertium genius (sui generis), sob a égide de uma mutação constitucional sobre o artigo 5.º, inciso LVII, da Constituição Federal e do artigo 283 do Código de Processo Penal. E como reforço destacamos a Reunião Especial de Jurisdição, do Conselho Nacional de Justiça[8], cujas páginas 6 e 7 demonstram que somente foram analisados os presos com sentença definitiva e provisórios (prisão cautelar), deixando o órgão em tela de trazer a público o mapeamento dos presos em sede de execução provisória da pena, evidenciando o necessário aprofundamento sobre esse tema e suas várias implicações jurídicas.
Enfim, esses são os apontamentos breves sobre o tema proposto.
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Joaquim Leitão Júnior é Delegado de Polícia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Graduado em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Jataí. Professor de cursos preparatórios para concursos públicos e, ainda, coautor do livro: Terminologias e Teorias inusitadas.
Stenio Henrique Sousa Guimarães é Bacharel em Segurança, Bacharel em Direito, Especialista em Segurança Publica e Especialista em Direito Processual Penal. Habilitado pela Ordem dos Advogados do Brasil. Atuou como Professor convidado na Polícia Militar do Estado de Mato Grosso nas disciplinas de Estatuto da Criança e do Adolescente, Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Penal Militar. Possui Capacitação e experiência em Negociação em Gerenciamento de Crises e técnicas de compliance. Possui experiência em atividade de Polícia Judiciária Militar. Atualmente é especializando em Psicologia Jurídica e Inteligência Criminal. Oficial Superior da Polícia Militar.
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Referências bibliográficas
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