Por Joaquim Leitão Júnior[1]
Muito se tem visto e ouvido nos noticiários sobre a possibilidade de o vazamento do teor da delação premiada gerar nulidade, descarte, lacração e até mesmo envelopamento para sua inutilização ou inadmissibilidade.
Mas indagamos: o que isso tem de verdade? Realmente existe a possibilidade do vazamento do inteiro teor ou de parte da delação premiada gerar nulidade? Pode gerar nulidade processual? Pode haver descarte, lacração e até mesmo envelopamento para sua inutilização ou inadmissibilidade?
Antes de ingressarmos ao cerne da questão e nas respostas, cabe asseverar o conceito de delação premiada.
Delação premiada consiste na denúncia que um dos coautores ou partícipe faz à autoridade, no sentido de responsabilizar seu comparsa e ainda confessar sua autoria na prática delitiva.
Adalberto José Aranha[1], sobre o tema, leciona: “A delação ou chamamento de co-réu consiste na afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvida na polícia, e pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação como seu comparsa”.
Luiz Flávio Gomes sustenta que ocorre a chamada delação premiada quando o acusado não só confessa sua participação no delito imputado (isto é, admite sua responsabilidade), senão também delata, incrimina outro ou outros participantes do mesmo fato, contribuindo para o esclarecimento de outro ou outros crimes e sua autoria[2] .
Também denominada ‘chamamento de cúmplice’, ocorre quando no interrogatório o réu, além de reconhecer sua responsabilidade, incrimina outro, atribuindo-lhe participação[3] .
A delação premiada está prevista em várias leis do ordenamento pátrio, mas foi com advento da Lei das Organizações Criminosas que, a delação teve uma dinamização e detalhamento melhor no campo prático.
Indiscutivelmente, a delação premiada é um importante e eficaz instrumento de combate e repressão a crimes, mormente em crimes que envolvam organizações criminosas e que utilize as cortinas do aparato público para desenvolver ações delitivas.
A sofisticação e articulação fisiológica criminosa evoluiu inimaginavelmente, e o Estado deve acompanhar esses avanços, propiciando aos órgãos responsáveis pela persecução penal, meios para elucidação das práticas delitivas da micro e macrocriminalidade, sob pena de prestigiar pessoas criminosas que fazem do crime, meios de obterem lucro fácil, influências espúrias e dizimar coletivamente inúmeras vidas e sonhos de cidadãos de bem (de recursos que não chegam para escolas, saúde, segurança pública etc, em virtude dos desvios e subtrações entre outros artifícios engenhosos que a Operação Lava-Jato tem revelado).
Antes que pescadores de águas turvas lancem as críticas, adiantamos que não se faz discurso aqui de que “os fins justificam os meios”, mas propomos a premissa de “que os fins justificam os fins” e em que pese as críticas defensivas ao redor da moral e da ética que recaem sobre o delator e à delação, ambos ao final exercem um papel de hombridade muito maior do que as críticas lastreadas no falso puritanismo (que se olvida da conduta anterior do delatado entre outros aspectos), além de trazer resultados práticos como: revelar-se os propósitos de que o delator reconheceu os erros; além de responsabilizar os demais responsáveis; recuperar eventuais valores e bens obtidos com as práticas e restabelecer a situação ao estado anterior; devolver dinheiro aos cofres públicos e prestar informação de quem são as pessoas que agiam na surdina e nos bastidores).
Fique claro, se querem tratar de ética e moral que são temas importantíssimos e relevantes para o Direito, que façam nas proporções devidas e reais, não debitando a “conta” apenas ao delator, mas também aos grandes figurões criminosos por de trás do aparato organizado de poder.
Não se pode misturar os institutos ou dar colorido e consequências que a lei (instrumento legítimo) não conferiu para tanto. Qualquer tentativa nesse sentido de nulificar a delação obtida de forma lícita com observância aos requisitos legais em vista de vazamento, é despida de fundamento legal – pelo menos de acordo com o vigente ordenamento jurídico.
Situação diversa teríamos, se o colaborador fosse torturado para delatar, porquanto a suas falas já viriam ao mundo contaminada, cuidando-se de prova ilícita. Agora se o colaborador presta a delação, e posteriormente essa delação vaza integralmente ou parcialmente, não há ilícito na prova e nem nulidade a ser arguida. Nessa hipótese, deve se investigar o agente responsável pela divulgação não autorizada – que incorreu em possível crime, mas sem se cogitar por qualquer inquinação de nulidade do teor da delação vazada.
Há discussão no sentido de ser possível ou não punir o agente da imprensa pela referida divulgação antecipada (vazamento). Em que pese existirem vozes defendendo à punição, pensamos que a mesma é discutível, no viés de não se punir o agente de imprensa que noticiou a delação, em vista do art. 220, § 1o, da Constituição da República Federativa do Brasil, que permite a ampla divulgação de informações de interesse público, que corresponde ao caso de delações envolvendo valores vultosos desviados ou saqueados dos cofres públicos entre tantas outras modalidades criminosas.
Não bastasse isto, o artigo 5o, inciso XIV, também da Carta Política Fundamental, resguarda o sigilo da fonte do profissional de jornalismo. Esse profissional não é obrigado a dizer quem lhe passou o conteúdo da delação realizada, mas ainda não homologada ou até mesmo homologada.
Temos para nós que o fato de delações premiadas serem publicadas (vazadas) pela imprensa mesmo antes de as colaborações serem homologadas pela Justiça ou até depois não têm o condão e nem a força hercúlea de anular tais depoimentos (oitivas, interrogatórios etc).
De outro lado, caso a investigação descortine agente integrante de investigação policial ou de operação que repassou a informação à imprensa, deveria o agente responder, em nossa visão, pelo delito cometido na forma do artigo 18 da Lei 12.850/2013 ou do artigo 325 do Código Penal (violação de sigilo funcional), a depender do caso concreto.
De qualquer forma, se socorrendo das lições retiradas, no HC 13.589 – SP do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, impõe pontuar que a problemática do caráter sigiloso do acordo do investigado colaborador, ou acordo de delação premiada, deve ser analisada sob duplo aspecto: 1º aspecto: o sigilo da própria existência do acordo e de seus termos; e, 2º aspecto: o sigilo do conteúdo das declarações prestadas – sem jamais cogitar sua nulidade em caso de vazamento, se mantido o atual quadro do ordenamento jurídico pátrio.
O advogado, Jorge Coutinho Paschoal, traz interessante divagação defendendo a não nulidade em caso de vazamento, assim como sobre a ausência de previsão de nulidade em caso de divulgação indevida do teor de delação premiada e discute as teorias de nulidade implícita. Confira-se:
“Analisando-se a Lei de Criminalidade Organizada (Lei 12.850/2013), apesar de ela assegurar o sigilo da delação até o recebimento da denúncia (art. 7.º, § 3), tendo em vista, por um lado, a proteção do delator e, por outro, o êxito das investigações, nada se diz, expressamente, quanto à sanção pela quebra do sigilo.
Na ausência de regra explícita, poder-se-ia trabalhar com o conceito de nulidade implícita, de que a proscrição da quebra do sigilo, considerando uma interpretação sistemática do direito, acarretaria a nulidade, já que, por uma visão legalista, não teria sentido a lei proibir uma conduta sem prever uma sanção.
Contudo, embora, particularmente, entenda sim possível a teorização de nulidades processuais implícitas, elas são de aceitação bastante discutível pela doutrina, que se inclina pela taxatividade[2] das nulidades (ou melhor, pela sua previsão explícita), entendendo que onde o legislador silenciou, não deve o intérprete inventar moda.
Caso não se queira trabalhar com as nulidades implícitas – o que nem seria necessário, considerando que o Código de Processo Penal estatui, ao seu modo, um amplo rol de nulidades – é imperiosa a análise do Código.
No exame da questão, deve-se centrar no artigo 564; neste ponto, o único dispositivo que diria respeito, mais de perto, ao caso em comento, seria o do inciso IV, referente à omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato.
Porém, é necessário reconhecer que a subsunção da hipótese à referida norma seria difícil, pois não se estaria falando, propriamente, de omissão de formalidade, pois o sigilo, na maioria dos casos, foi anteriormente previsto, mas acabou, no meio do caminho, sendo quebrado, por ato de alguém.
Ainda que assim não se entendesse, em sendo possível a aplicação do dispositivo à hipótese, seria questionável o caráter da essencialidade do sigilo para o ato da delação em si, sobretudo quando temos acompanhado vários acordos em que, de antemão, já sabemos quem será o delator e o que delatará, por meio da imprensa…
No limite, poder-se-ia trabalhar com o conceito de prova ilícita, constante do artigo 157, caput, do Código de Processo Penal. Por uma análise seca da lei, ao se reputar um conceito amplo de prova ilícita, assim tida qualquer prova obtida ou mesmo produzida com infringência da lei (abarcando também as ilegítimas), por um estudo apressado da matéria, poderíamos concluir estar diante de ilicitude de prova.
Contudo, em uma ótica mais detida, tendo-se em vista que só se poderia considerar ilícita uma prova que tenha sido produzida ou obtida ilegalmente, teremos que concluir que não haveria ilicitude, justamente porque a produção ou a obtenção da prova se dá em momento anterior à aposição do sigilo.
Ora, convenha-se: uma coisa é a tomada do depoimento, a produção e obtenção da prova decorrente da delação, outra coisa, em tudo diversa, se refere ao modo como essa prova será protegida. Trata-se de hipótese em tudo diferente de uma quebra de sigilo de dados, em que, no momento da obtenção da prova em si (isto é, na obtenção do documento), ocorre a quebra do sigilo.
Somente por uma visão mais formalista do direito[3], em que – com todo respeito à opinião contrária, segundo me parece, se privilegia a forma pela forma, como se fosse um fim em si mesmo, seria de se cogitar de uma consequência tão grave para o caso, apta a ensejar o reconhecimento da nulidade.
Seja como for, por uma visão material, que privilegia a razão pela qual as formas foram previstas, não se sustentaria qualquer invalidação.
Com efeito, de um lado o sigilo das delações é previsto para proteção dos delatores e, de outro, para o êxito das investigações.
Não tem sentido anular delações quando todos já sabem quem são os delatores, não sendo crível falar que a medida seria para a proteção dos delatores.
Outrossim, não se sustentaria aventar a invalidade, sob o argumento de que a quebra comprometeu o êxito das investigações, quando se sabe que, para a homologação da delação, muitas colaborações já se encontram acompanhadas de outros elementos; a rigor, o momento adequado para a comprovação da delação se dá em juízo.
Na verdade, uma invalidação prematura da delação apenas penalizaria o delator, que se veria impedido, ex ante, de comprovar o teor das suas afirmações, restando inacessível, justamente, uma via defensiva a seu favor.
Os delatores são os principais interessados que a delação seja levada adiante, sendo que eventual quebra do sigilo, em alguns casos, poderia ter reflexos apenas na sua proteção e, em outros, no êxito quanto à comprovação das acusações feitas, cujo interesse maior é justamente o seu.
Vindo à tona o teor da delação, deve o Estado proporcionar proteção ao delator, tendo instrumentos legais e institucionais para tanto. Caso o delatado queira se vingar, de nada adiantará anular a delação, deixando-se, com isso, o delator à própria sorte.
Por fim, do ponto de vista do delatado, não há qualquer prejuízo ao saber de antemão o teor de uma delação vazada, ao contrário, pois, em assim ocorrendo, desde logo já pode saber do que é acusado, podendo antecipar a sua estratégia de defesa.
Ora, quem já advogou para delatados sabe como é prejudicial a previsão legal de que a delação só pode se tornar pública quando do momento recebimento da denúncia.
Não raras vezes, o delatado acaba sendo preso, no curso das investigações policiais, sem que, devido ao sigilo das delações até o recebimento da denúncia, não se confere acesso ao advogado ao teor da delação, o qual tem que impetrar habeas corpus, para brigar pela liberdade, praticamente no escuro. Não raro, cumpre observar, vemos que os próprios investigados brigam para ter acesso às delações, mantidas sob um sigilo que muitas vezes não se sustenta.
Caso se entenda que um mero vazamento de delação implicaria a sua invalidade, isso poderá ser usado como uma manobra para se engavetarem investigações.
Basta vazar a delação para tudo ser declarado imprestável. A preponderar esse entendimento, com efeito, toda Operação Lava Jato irá por água abaixo: não só a delação da Odebrecht será anulada, mas, praticamente, a totalidade das colaborações fechadas até o momento, lembrando que já uma das primeiras delações, de Alberto Youssef, acabou sendo vazada em 2014.
Vazamentos seletivos de delações são atos censuráveis, mas, mais questionável ainda, é invalidar toda uma operação, com base em uma questão meramente formal, frise-se, que não acarreta qualquer prejuízo aos interessados, sob qualquer ponto de vista que se queira analisar”(PASCHOAL, 2016, p. 1).
Como dito acima, comungamos do mesmo pensamento, qual seja, pela não incidência de nulidade em caso de vazamento de acordo de delação premiada.
Ora, admitir as teses de nulidade, descarte, envelopamento ou lacração para inutilização, em caso de vazamento de acordo de delação premiada, seria um verdadeiro absurdo, pois bastaria vazar o teor da delação para tudo ser declarado nulo ou sem utilização prática, imperando-se mais uma vez a impunidade e outros interesses na contramão dos anseios sociais que estariam plenamente esvaziados. Com isto, se admitidas essas respeitáveis teses, podem ter certeza, teríamos incalculáveis fatores de multiplicação dos vazamentos.
Adiante, em que pese ser censurável o vazamento de delação premiada, não se pode privilegiar a própria torpeza de delatados e de outros interesses escusos.
Por zelo ao debate, trazemos à baila uma posição interessante do advogado, Antonio Eduardo Ramires Santoro, embora respeitosamente, não concordemos com aquela. O mencionado advogado defende em sua publicação outra ótica, analisando para isto, o artigo do juiz, Guilherme de Souza Nucci, ponderando que:
“[…] De fato, em momento algum foi afirmado em seu artigo que sua premissa é a velha distinção entre prova ilícita e prova ilegítima. Todavia, ao afirmar que a tortura que antecede à colaboração nasce contaminada, porém o vazamento que se realiza após a declaração do colaborador não a contamina, aliada à afirmação de que o sigilo é uma regra procedimental – e não processual –, demonstram que essa é a premissa do seu raciocínio.
Com efeito, a ideia de que violações de normas materiais tornam a prova ilícita e, portanto, inadmissível, ao passo que normas processuais (no seu entender procedimentais) tornam a prova ilegítima, conduzem à ideia de que esse vício não deve inviabilizar o juízo de admissibilidade que já teria ocorrido, devendo se trabalhar com a categoria das nulidades.
Mais ainda, sua afirmação de que a prova já foi colhida, dá a entender que sua admissão já se realizou ou que, no caso da colaboração premiada, sua produção antecede a admissão.
Isso conota a introdução do elemento de prova[5], compreendido como informação passível de valoração pelo juízo sentenciante, não apenas antes de sua admissão, mas produzida fora do âmbito judicial. Quiçá esteja sendo considerado – mas isso não fica claro – que o Ministério Público realiza a atividade de admissão da prova, configurando uma espécie de entrega de poderes tipicamente judiciais ao órgão acusador, o que é írrito ao sistema processual penal forjado pela nossa Constituição.
Em outras palavras, ao afirmar que a prova já está colhida antes mesmo do termo de colaboração ser homologado, está-se admitindo que as declarações do colaborador colhidas fora do ambiente judicial, antes do termo inicial do processo e sem qualquer observância do contraditório, são elementos de prova.
Ora, se as declarações do colaborador são a priori elementos de prova, a colaboração premiada mesmo sem homologação é um meio de prova[6], o que, com o devido respeito, é absolutamente inadequado.
A colaboração premiada é um meio de obtenção de prova e como tal se caracteriza como um método oculto[7], sem o estabelecimento do contraditório direto e, portanto, deve ser submetido à análise de admissibilidade judicial.
Em que pese nosso entendimento de que os meios de obtenção de prova que obtenham informação de uma fonte de prova pessoal não podem gerar elementos de prova, vez que não passíveis de serem submetidos ao adequado contraditório[8], ainda que se admita ser possível obter informação valorável, é imprescindível a análise de admissibilidade judicial antes que o elemento ingresse nos autos do processo.
Essa admissibilidade deve ser feita no ato de homologação do termo, cabendo ao juiz analisar todos requisitos de validade do ato, inclusive o sigilo.
Deve se observar que o sigilo não é mero procedimentalismo. Ao contrário, encerra uma opção legislativa de fundamento constitucional. O inciso LX do artigo 5o da Constituição estabelece como regra a publicidade dos atos processuais. De outro lado, o mesmo dispositivo admite a possibilidade de afastar a publicidade estabelecendo o sigilo, mas fixa como parâmetro o atendimento à intimidade e ao interesse social. Todavia, essa tarefa de ponderação não foi atribuída, pelo texto constitucional, ao juiz, mas ao legislador, na medida em que dispôs com clareza que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.
Assim, é a lei que pode restringir a publicidade e estabelecer a regra do sigilo para determinado ato processual, sendo certo que nos casos em que a lei o fizer, não cabe ao juiz tomar decisão contrária (a menos que expressamente permitido na própria lei), tampouco a qualquer outro agente do Estado.
Deve ser ressaltado que ao passo em que o artigo 5º, V, da Lei nº 12.850/2013 garante o sigilo em proteção à intimidade, o § 2º do artigo 7o da mesma Lei estabelece o sigilo em proteção ao interesse da investigação.
Seja por que motivo for, o sigilo só deve ser afastado após o ato de recebimento da denúncia, na forma do § 3º do artigo 7º da Lei nº 12.850 de tal sorte que a garantia do sigilo é da essência do instrumento colaboração premiada delineado pela citada Lei e tem fundamento constitucional, não se tratando de mero procedimentalismo.
Ao revés, atribuir à violação da regra do sigilo o efeito de punição do responsável se for possível, porque a imprensa não pode ser proibida de veicular notícia, parece um caminho populista, que alia o discurso de liberdade irrestrita à imprensa com a solução punitivista dos problemas que são em essência constitucional-processuais. No fundo essa solução não gera qualquer resultado prático, até mesmo sob o ponto de vista de uma política criminal de matiz punitivista, pois que ao passo em que admite não ser exigível do órgão de imprensa que revele sua fonte, inviabilizando a identificação do responsável, ainda cria um elemento de ponderação em caso já previamente ponderado pelo legislador.
Ora, de fato a garantia constitucional do direito à livre informação jornalística é prevista no §1º do artigo 220 da Constituição, mas não raramente conflita com o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada e da imagem, constante do artigo 5º, inciso X, da nossa Carta.
Esse conflito, que se configura como um hard case, talvez pudesse ensejar a solução pela ponderação, mesmo porque o constituinte dispôs expressamente que nenhuma lei constituirá embaraço à liberdade de informação jornalística. No entanto foi esse mesmo dispositivo constitucional que determinou dever esse direito ser exercido “observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”, ou seja, no limite de respeito à alguns direitos individuais.
Especificamente neste caso da colaboração premiada, o conflito foi resolvido pelo legislador, que deu prevalência à intimidade, à vida privada e à imagem do colaborador, a menos que se obtenha uma autorização do colaborador por escrito, conforme inciso V do artigo 5º da Lei nº 12.850. A ponderação foi feita pelo próprio legislador, afastando o juiz dessa tarefa, sob pena de invadir a atividade legislativa, não sendo factível afirmar que a opção do parlamento constitui um embaraço à liberdade de informação jornalística, já que sopesa os direitos fundamentais em conflito, como determina a própria Constituição.
Dessa forma, o sigilo, muito mais que uma regra procedimental, tem origem constitucional e constitui um requisito de admissibilidade da colaboração premiada enquanto instrumento processual hábil a gerar informação valorável[9]. Nesse sentido, não há que se falar em nulidade – pelo menos antes da admissão –, pois que o caso é mesmo de inadmissibilidade, já que o ato de admissão do meio de obtenção da prova, reservado à atividade judicial, somente será praticado, na imensa maioria dos casos observados na prática, após o ato de vazamento” (SANTORO, 2016, p. 1).
No artigo supra como se nota, cogita-se possível inadmissibilidade da obtenção da delação, sem descartar a incidência de nulidade (que teria aplicabilidade somente após à admissão) no vazamento de acordo delação, teses estas que apesar de sedutoras não podem se sustentar, por tudo que foi esposado.
Conclusão
Em conclusão, o vazamento do sigilo da delação – apesar de ser fato grave e trazer eventuais embaraços e prejuízos substanciais para as investigações ou andamento da ação penal, rendendo ainda à configuração de eventuais crimes – absolutamente não inquina de nulidade à colaboração feita de forma lícita, com a observância dos demais requisitos legais, e não inquina de nulidade o processo (ação penal ou outro procedimento).
Entendemos também que possíveis vazamentos de acordo de delação premiada não podem ensejar descarte, “lacração”, envelopamento para inutilização ou inadmissibilidade da delação, diante do atual quadro do ordenamento jurídico brasileiro.
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Referências bibliográficas:
ARANHA, Adalberto José Q.T. de Camargo. Da prova no processo penal. 7. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
GOMES, Luis Flávio, CERVINI, Raul, OLIVEIRA, Willian Terra de. Lei de lavagem de capitais. São Paulo: RT, 1998.
NUCCI, Guilherme de Souza. Vazamento de delação premiada gera nulidade da prova? Publicado no site Gen Jurídico da Editora Método em 06 de fevereiro de 2017. Disponível em: <<http://genjuridico.com.br/2017/02/06/vazamento-de-delacao-premiada-gera-nulidade-da-prova/>>. Acesso em 02 de abril de 2017.
PASCHOAL, Jorge Coutinho. Delações vazadas podem ser anuladas? Publicação no Empório do Direito em 30/03/2017. Disponível em: <<http://emporiododireito.com.br/delacoes-vazadas-podem-ser-anuladas/>>. Acesso em 02 de abril de 2017.
SANTORO, Antonio Eduardo Ramires. Vazamento das declarações do colaborador gera inadmissibilidade da colaboração premiada. Publicado no site Empório do Direito em 22/12/2016. Disponível em: <<http://emporiododireito.com.br/tag/vazamento-de-delacao/>>. Acesso em 02 de abril de 2017.
TOURINO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 3. v. 27. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva 2005.
[1] ARANHA, Adalberto José Q.T. de Camargo. Da prova no processo penal. 7. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 132.
[2] GOMES, Luis Flávio, CERVINI, Raul, OLIVEIRA, Willian Terra de. Lei de lavagem de capitais. São Paulo: RT, 1998, p. 344.
[3] TOURINO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 3. v. 27. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva 2005, p. 205.
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