Pandemia e crimes contra a economia popular: cookies e atribuição de autoria – Justiça & Polícia

Pandemia e crimes contra a economia popular: cookies e atribuição de autoria

Por Alesandro Gonçalves Barreto

Em tempos de pandemia, constatamos um aumento abusivo dos preços do álcool em gel, máscaras, luvas e outros produtos para prevenção, combate e tratamento da doença. Oportunistas de plantão aproveitam esse período para auferir mais lucros e, por conseguinte, criam contas em diversas plataformas de comércio eletrônico para vender esses produtos com preços elevadíssimos.

Essa prática configura, em tese, crime contra a economia popular, previsto no art. 4º b da Lei n. 1.521, de 26 de dezembro de 1951[i].

Atentos a esse cenário, órgãos de defesa do consumidor vêm notificando, constantemente, os responsáveis por essas plataformas para remover esses perfis ou páginas criadas.

Além disso, a SENACON/MJSP – Secretaria Nacional do Consumidor, Ministério da Justiça e Segurança Pública – recomendou, através da Nota Técnica n.º 8/2020/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ[ii], atenção em relação a possíveis choques de oferta e demanda, devendo pois:

1. Identificar o produto que se quer verificar abusividade (álcool gel, por exemplo); 2. Identificar as empresas que atuam concorrencialmente nesse mercado; 3. Identificar a cadeia produtiva, incluindo a matéria-prima do produto; 4. Solicitar notas fiscais de compra e de venda com uma série histórica confiável, sendo recomendável ao menos uma série de 03 meses (90 dias); 5. Identificar se há racionalidade econômica no aumento de preços ou se ele deriva pura e simplesmente de oportunismo do empresário.

  As plataformas de comércio eletrônico podem   excluir uma conta abusiva, bem como identificar outros perfis que estão utilizando o mesmo dispositivo informático para praticar crimes contra o consumidor.  Essa individualização pode ser realizada através dos cookies.

 Ao utilizar um navegador (Chrome, Mozilla, etc), são baixados pequenos pedaços de texto com a função de armazenar informações de interações com o site, reconhecimento em futuras visitas, além da personalização da experiência de navegação do usuário. Os cookies não são programas, portanto, não instalam nada no seu dispositivo, apenas guardam dados de navegação em sites, redes sociais e outros serviços. 

O Facebook, por exemplo, afirma utilizar cookies para ajudar a prestar, proteger e aprimorar seus serviços, “seja personalizando conteúdo e anúncios, medindo anúncios ou viabilizando uma experiência mais segura”. Acrescentam ainda que:

Os cookies podem nos ajudar a identificar e a impor medidas adicionais de segurança quando alguém tenta acessar uma conta do Facebook sem autorização, por exemplo, tentando adivinhar senhas diferentes rapidamente. Os cookies nos ajudam a combater spam e ataques de phishing ao nos permitir identificar computadores que são usados para criar uma grande quantidade de contas do Facebook falsas. Também usamos cookies para detectar computadores infectados com malware e tomar medidas para evitar que eles possam causar mais prejuízos.

Ao analisar a política de privacidade do Mercado Livre e OLX, verificamos também que eles manuseiam a coleta de dados de navegação através de cookies, permitindo, pois, diversas funcionalidades aos seus usuários, inclusive assegurar a promoção e o “cumprimento de regras e segurança do site”.

Nesse diapasão, a existência de outras contas pode ser um dado agregador para o enfreamento aos preços abusivos, além da exclusão de links das ofertas, banimento dos usuários e outras medidas legais contra os vendedores.

Assim, identificado um usuário abusivo, as plataformas de comércio eletrônico devem aferir, através dos cookies e de maneira proativa, a existência de outras contas de oferta de produtos através do mesmo dispositivo informático. Digamos que um usuário XYZ, utilizou a conta C, através de um notebook MT para vender álcool em gel com preço 10x mais do valor de mercado. A empresa responsável pelo serviço possui condições para preservar os dados dessa conta, remover o conteúdo abusivo e informar quais outros usuários utilizaram o notebook MT para acessar outras contas.

Essas informações são relevantes para a atribuição de autoria delitiva. Os dados cadastrais, registro de conexão, telefone e email vinculado são de grande valor durante a instauração do inquérito. Não obstante, a identificação de outras contas utilizadas pelo investigado resultará em mais elementos informativos relevantes.

Enfim, a abusividade dos preços de todo e qualquer produto necessário ao enfretamento da pandemia deve ser combatida por diversos mecanismos, a fim de impedir que, oportunistas de plantão, lucrem diante de grave crise de saúde pública mundial.


ALESANDRO GONÇALVES BARRETO – Delegado de Polícia Civil do Estado do Piauí. Coautor de diversos livros sobre investigação digital.  Atualmente é Coordenador do Laboratório de Operações Cibernéticas (CGCCO/DIOP/SEOPI/MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA). Professor de Cursos de Inteligência Cibernética pela SENASP/MJSP e SEOPI/MJSP. Professor convidado da UNAULA, Medellín – Colômbia.  Diretor da Unidade do Subsistema de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Piauí entre os anos de 2005 e 2016. Gestor do Núcleo de Fontes Abertas na SESGE/MJSP nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. Integrou o Grupo de Trabalho revisor da Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública. Foi Coordenador Geral de Contrainteligência da Diretoria de Inteligência na SENASP e Coordenador Geral Substituto da Polícia Judiciária e Perícia da Diretoria da Força Nacional (2017/2018). Colunista do site Justiça & Polícia – JusPol. e-mail: delbarreto@gmail.com.


OBRAS DO AUTOR

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARRETO, Alesandro Gonçalves; KUFA, Karina; SILVA, Marcelo Mesquita. Cibercrime e Seus Reflexos no Direito Brasileiro, Editora Juspodivm, 2020.

BRASIL. Lei nº 1.521, de 16 de dezembro de 1990. Altera dispositivos da legislação vigente sobre crimes contra a economia popular. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l1521.htm>. Acesso em: 19 abr. 2020.

___. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 19 abr. 2020.

___. Decreto nº 7.962, de 15 de março de 2013. Regulamenta a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/D7962.htm>. Acesso em: 19 abr. 2020.

FACEBOOK. Cookies e Outras Tecnologias de Armazenamento. Disponível em: < https://www.facebook.com/policies/cookies/>. Acesso em: 19 abr. 2020.

MERCADO LIVRE. Política de Privacidade. Privacidade e Confidencialidade da Informação. Disponível em: < https://www.mercadolivre.com.br/ajuda/993>. Acesso em: 19 abr. 2020.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. Secretaria Nacional do Consumidor. Nota Técnica n.º 8/2020/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ. Disponível em: < https://www.novo.justica.gov.br/news/nota-tecnica-orienta-sistema-nacional-de-defesa-do-consumidor-para-analise-de-precos-abusivos/sei_mj-11277339-nota-tecnica.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2020.

OLX. Política de Privacidade. Disponível em: < https://ajuda.olx.com.br/s/article/politica-de-privacidade>. Acesso em: 19 abr. 2020.


[i]  Art. 4º. Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando:

b) obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

[ii] Nota Técnica n.º 8/2020/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ. Trata-se de estudo técnico conjunto a respeito de abusividade no reajuste do preço de produtos e serviços, em decorrência da pandemia de Covid-19 – “coronavírus”- declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que configuraria, em tese, prática abusiva segundo o Código de Defesa do Consumidor e é objeto de diversos questionamentos de membros do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC relacionados a produtos de prevenção e tratamento da doença, como álcool gel, luvas e máscaras.

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