Por Paulo Reyner
O cargo de Delegado de Polícia sempre trouxe certa notoriedade no meio da atividade policial, seja em razão do poder de decisão em relação aos procedimentos de autuação flagrancial, ratificando (ou não) a voz de prisão dada pelo condutor de pessoas presas e apresentadas em flagrante delito (CPP, art. 304), com toda a complexidade a análise pós-delitual, seja pela capacidade postulatória, justamente porque titulariza no seio policial o poder-dever de representar diretamente junto ao Poder Judiciário por diversas medidas cautelares, no interesse do esclarecimento de crimes durante a investigação criminal.
O que pouco se discute, talvez pela menor possibilidade de gerar impactos midiáticos, é a inerente função gerencial que todo Delegado de Polícia deve possuir. Tão logo deixa a academia de polícia, em cursos de formação com duração média entre 3 e 6 meses, a dita autoridade policial assumirá funções de gestão a cada instante, mesmo que inicialmente não se dê conta disso.
Assim, lotado em centrais de atendimento flagrancial necessariamente é o responsável não só pela análise célere das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais (Lei 12.830/13, art. 2º, §1º), mas também por gerenciar, organizar, ditar o funcionamento de toda a unidade policial naquele período, determinando a ordem de atendimento aos policiais de outras forças, os prazos de comunicação dos procedimentos ao Poder Judiciário, Ministério Público e defesa, a apresentação do preso em audiência de custódia, o atendimento às vítimas, testemunhas, advogados, etc; deve, ainda, acompanhar a atuação dos policiais sob sua coordenação, aferindo a legalidade no recebimento de pessoas presas, garantindo seus direitos e garantias constitucionais e, principalmente, conferindo o bom atendimento as pessoas que buscam a unidade policial, geralmente em momentos de vulnerabilidade, pois ou foram vítimas de crimes ou intimadas a testemunhar por ter presenciado algum delito.
Por outro lado, uma vez lotado nos municípios do interior dos estados (geralmente novos Delegados iniciam a carreira assim), toda a gestão operacional e administrativa da delegacia recairá sobre os ombros do recém ingresso.
Além do atendimento nas situações de flagrante delito, deve iniciar investigações, gerindo cada inquérito policial da maneira mais eficaz possível para se chegar ao esclarecimento da verdade, lastreando os autos com elementos suficientes de autoria e materialidade. Tudo dentro da mais estrita legalidade.
O planejamento operacional de cada cumprimento de mandado, momento sensível que envolve o resguardo da vida e integridade física da equipe policial e de todos alvos, igualmente, mostra-se desafio que deve ter com toda atenção gerencial necessária.
Não bastasse o encargo da investigação criminal, o Delegado de Polícia deve organizar o bom funcionamento da unidade policial (escalas, condições prediais, condições das viaturas, material de expediente etc.), bem como manter relacionamento interinstitucional com outros órgãos.
Nesse sentido, indaga-se, qual o verdadeiro papel do Delegado de Polícia?
Muitos acreditam que seja o trabalho operacional, especialmente no cumprimento de prisões, buscas e apreensões, representando por medidas cautelares e tantas outras diligências ligadas à investigação criminal.
Há algum tempo também tinha essa percepção. No entanto, após alguma experiência compreende-se que essa é apenas parte do trabalho. O verdadeiro desafio do Delegado de Polícia chama-se gestão!
Gestão de pessoas, com vistas a manter os Policiais motivados, mesmo diante das dificuldades da profissão, valorizando-os e incentivando-os a prestar sempre um serviço de qualidade à população, adotando mecanismos de meritocracia e de produtividade, conforme tivemos a oportunidade de expor no nosso artigo: Polícia Civil: o dever de accountability na investigação criminal. (2019, on line).
Gestão de recursos materiais, muitas vezes escassos, com a finalidade de bem gerir os bens públicos para que a Polícia Judiciária cumpra seu papel constitucional de apurar infrações penais com efetividade.
Aliado a isso, gestão junto às diversas fontes de recursos financeiros, a fim de que nossa Instituição seja estruturada dignamente, pois só podemos oferecer um serviço de investigação criminal eficaz, se houver um mínimo de investimento estatal para tanto, especialmente em qualificação profissional e tecnologia aplicada no enfrentamento à criminalidade.
E, finalmente, a gestão da investigação criminal propriamente dita, presidindo procedimentos investigativos de maneira técnica, com escorreita aplicação técnicas apropriadas a cada uma das diversas modalidades delitivas, dentro dos limites da legalidade e respeitando os direitos e garantias constitucionais.
Não podemos esquecer que o art. 144, § 4º, da CF/88 estabelece que as Polícias Civis são dirigidas por Delegados de Polícia de carreira; direção significa administração, comando, condução, governança. Tema importante que nós, profissionais, devemos pensar a respeito, bem como aqueles que pretendem ingressar nessa carreira.
Nessa luz dessas ideias, impõe-se que os concursos públicos, os cursos de formação de Delegado de Polícia e a formação continuada no exercício da profissão sejam voltados, também, para o desenvolvimento dessas competências gerenciais. O curso de Direito não aborda esses conteúdos, todavia, o novo profissional deve estar atento às demandas da sua função. Deve entender não apenas de Direito Penal, Processual Penal ou Constitucional, mas tão importante quanto é o domínio de competências ligadas à liderança e gestão com vistas a entregar melhores resultados sociais. Devemos evoluir.
Paulo Reyner: Delegado de Polícia Civil (PCAP). Atualmente ocupa o cargo de Chefe de Gabinete da DGPC/AP. Mestrando em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC). Pós-graduado em Políticas e Gestão em Segurança Pública (EAP/ESTÁCIO). Autor de diversos livros e artigos.
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