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A lesão corporal culposa no trânsito com causa de aumento de pena de omissão de socorro


Por Joaquim Leitão Júnior.

Fato corriqueiro em Delegacia de Polícia diz respeito aos hipotéticos delitos de lesão corporal culposa no trânsito com causa de aumento de pena de omissão de socorro no mesmo contexto fático ou de ausência de habilitação do condutor no mesmo contexto fático (art. 303, parágrafo único, do CTB, combinado com, art. 302, parágrafo único, inciso III [aplicado por força de extensão]), combinado com, art. 14, inciso I, do Código Penal Brasileiro, em que a vítima não representa, em face do condutor responsável pelos fatos descritos nos tipos penais acima.

Com isso, surge-se a indagação: a vítima não representando pelo crime principal de lesão corporal, remanesceria à omissão de socorro ou a falta de habilitação para serem perseguidas penalmente ou por serem acessórias, seguiriam o mesmo destino do crime principal (com à não formalização de Auto de Prisão em Flagrante ou instauração de Portaria – em não sendo situação flagrancial)?

São perguntas, cujas respostas exigem do intérprete uma tarefa cautelosa e técnica no campo jurídico para se evitar direções com conclusões equivocadas.

Vale nesse ponto deixar claro que, o condutor de que falamos aqui, é aquele envolvido no ‘acidente’ e que é considerado responsável pelo crime, pois é essa hipótese que nos interessa e que cuida do cerne da discussão.

Não é raro depararmos na prática com operadores do direito levando adiante à omissão de socorro ou a falta de habilitação para serem perseguidas penalmente no caso de não representação pela vítima do crime principal (lesão corporal no trânsito), o que “datíssima máxima vênia”, não é a melhor interpretação técnica e consentânea com os precedentes da Cortes Superiores.

Assim, em não havendo representação formal da vítima, pelo crime principal do art. 303, do CTB, a omissão de socorro ou a falta de habilitação, nas hipóteses em testilhas, por serem causas de aumento, e, por corolário, hipóteses acessórias, não podem ser visualizadas como crimes autônomos, segundo a melhor doutrina e jurisprudência.

A máxima de que o acessório segue o principal aplica-se no caso vertente.

Como se sabe, o crime do art. 304, do CTB é crime subsidiário, logo, somente tem incidência se outro mais grave não for aplicável na hipótese. Da mesma forma, o crime do art. 309, do CTB é delito subsidiário e somente tem incidência se outro mais grave não for aplicável na hipótese.

De qualquer forma, no caso em apreço, como no crime principal do art. 303, do CTB não se teve a representação da vítima, e a omissão de socorro ou a falta de habilitação serem causas de aumento de pena e acessórios, não se pode visualizá-las como crimes autônomos, segundo a melhor doutrina e jurisprudência. Assim, as consequências práticas desse entendimento, é a não autuação do conduzido (condutor) por não incidir, absolutamente, nenhuma tipificação nesse quadro fático apresentado dentro da norma de regência, qual seja, o Código de Trânsito de Brasileiro.

O art. 303, parágrafo único, do Código de Trânsito Brasileiro preconiza que se ocorrer qualquer das hipóteses do § 1o do art. 302, haverá causa de aumento de pena. O legislador usou aqui a remissão e extensão para aplicação de força de um artigo em outro. Pede-se licença para transcrever o art. 303, parágrafo único, do Código de Trânsito Brasileiro:

“Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor:

Penas – detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único.  Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) à metade, se ocorrer qualquer das hipóteses do § 1o do art. 302.      (Redação dada pela Lei nº 12.971, de 2014)   (Vigência)

Por sua vez, o art. 302, § 1º, inciso I e III, do Código de Trânsito Brasileiro, aplicado ao caso por força de remissão (em que o art. 303, parágrafo único, do mesmo código faz menção da aplicação daquele dispositivo por extensão ao art. 303) dispõe que:

“Seção II
Dos Crimes em Espécie

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:

Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

1oNo homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente:          (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014)    (Vigência)

I – não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;          (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014)    (Vigência)

II – praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;         (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014)    (Vigência)

III – deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente;         (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014)    (Vigência)

IV – no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.”

Da singela leitura dos dispositivos legais, resta nítido que o legislador quis que a omissão de socorro do condutor no mesmo contexto fático da lesão corporal no trânsito ou do condutor que não possui habilitação no mesmo contexto fático da lesão corporal no trânsito se prestassem a funcionar como circunstâncias acessórias do crime autônomo principal da lesão corporal no trânsito.

Com isto, a máxima de que o acessório segue o principal incidiria no caso em voga. Assim, a falta de representação por parte da vítima no art. 303, do Código de Trânsito Brasileiro, faz com que os acessórios não sigam adiante. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu em sede de lesão corporal culposa no trânsito com causa de aumento de pena de omissão de socorro no mesmo contexto fático que:

“Ementa: PENAL. LESÃO CORPORAL CULPOSA E OMISSÃO DE SOCORRO. CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO , ARTS. 303 E 304 . PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. 1. Extinta a punibilidade do crime de lesão corporal culposa na direção de veículo, por ausência de representação por parte da vítima, configura constrangimento ilegal o prosseguimento da ação com relação ao crime de omissão de socorro, uma vez que, pelo princípio da consunção, encontra-se absorvido pela conduta delitiva de maior gravidade. 2. Ordem de Habeas Corpus deferida para trancar a ação penal a que responde o paciente como incurso nas sanções do Código de Trânsito Brasileiro , art. 304” (STJ – HC 13561 MG 2000/0056869-4 – 5ª Turma – Ministro EDSON VIDIGAL. DJ 18.12.2000 p. 221JBC vol. 39 p. 343. LEXSTJ vol. 141 p. 363 – 21 de Novembro de 2000).

O doutrinador, Celso Luiz Martins, sobre o tema tratado apregoa que:

“O responsável pelo acidente que, podendo fazê-lo, deixar de prestar socorro à vítima que tenha sofrido lesões corporais, responderá no art. 303 desse Código com aumento de pena. Não responderá no art. 304. A prestação imediata de socorro fica melhor entendida como providenciar socorro. O não poder fazê-lo por justa causa, relaciona-se à exposição a risco quanto à segurança ou por conta de justificável estado de desequilíbrio emocional, porém não impede que se providencie o socorro” (MARTINS, Celso Luiz. Código brasileiro de trânsito [recurso eletrônico] : comentado – Rio de Janeiro : Elsevier : Campus, 2012. (Provas e concursos)     recurso digital, p. 99).

Em relação à lesão corporal culposa no trânsito com causa de aumento de pena de o condutor responsável não possuir permissão para dirigir ou carteira de habilitação no mesmo contexto fático, citamos os precedentes do Superior Tribunal de Justiça (HC nº 2584) e do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus nº 80303, seguindo a mesma linha de que o acessório segue o principal.

Desse modo, com a não formalização de representação da vítima, a Polícia Judiciária e os demais órgãos da persecução penal não estão autorizados a levar adiante apenas à omissão de socorro no mesmo contexto fático da lesão corporal – em que aquele seria acessório desta, já que prevista como causa de aumento.

Esse mesmo raciocínio vale também para o caso de lesão corporal no trânsito perpetrada por condutor que não possui habilitação no mesmo contexto fático (que seria aqui uma causa de aumento e não crime autônomo).

Portanto, em caso de não formalização de representação da vítima, a Polícia Judiciária e os demais órgãos da persecução penal não estão autorizados a levar adiante apenas o art. 309, do CTB, no mesmo contexto fático da lesão corporal – em que aquele seria acessório desta, já que figuraria como causa de aumento da lesão corporal no trânsito.

Conclusão

Em conclusão, com a não representação formal da vítima pelo crime principal do art. 303, do CTB com da causa de aumento de pena de omissão de socorro no mesmo contexto ou sem possuir habilitação ou permissão de dirigir, por serem causas de aumento (circunstâncias acessórias) não podem ser visualizadas como crimes autônomos, segundo a melhor doutrina e jurisprudência. Com isto, qualquer procedimento levado adiante nessa situação, padeceria de ilegalidade, e por corolário, de constrangimento ilegal.

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[1] Joaquim Leitão Júnior é Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Coautor da obra: Concursos Públicos – Terminologias e Teorias Inusitadas. Colaborador, colunista do site jurídico Justiça e Polícia e Professor de Cursos Preparatórios para Concursos Públicos.


Justiça & Polícia

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  • Muito bom, já passei por algumas situações dessas e fiquei com dúvida, o que em pesquisa encontrei justamente essa posição. acredito que sirva para outros colegas e operadores para evitar transtorno com a condução ou mesmo prisão indevida.

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