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Breve Relato sobre a História da Polícia Brasileira

 

Para que se compreenda o presente é necessário entender o passado”, desse modo, é salutar que se abarque o processo histórico de formatação do atual modelo policial existente, perpassando por todo o contexto histórico brasileiro, principalmente, assim como pequenas notas do contexto mundial, para que se tenha uma visão geral sobre a instituição policial.

ORIGEM HISTÓRICA – CONTEXTO MUNDIAL

No contexto mundial a origem da polícia se confunde com a própria existência do Estado organizado, vez que em qualquer sociedade com o mínimo de coordenação se faz necessário alguns mecanismos para se assegurar seja o status quo, seja para manter o que foi legal e legitimamente definido como regra geral a ser obedecida por todos os cidadãos.

Em síntese elaborada, Gilberto Gasparetto assevera que:

A palavra “polícia” tem origem no termo grego polites, de onde vêm também as palavras “política” e “polidez”. Na Grécia Antiga, a pólis era a cidade-Estado e as mais poderosas e famosas eram Esparta, Atenas, Corinto e Tebas. Os gregos chamavam de polites o cidadão que participava das tarefas administrativas, políticas e militares da pólis.

A história da polícia como a conhecemos hoje é, no entanto, relativamente recente, não remontando além do século 17, quando o rei francês Luís 14 cria a figura do tenente-general de polícia em Paris, no ano de 1665.

Porém, é a Inglaterra, na primeira metade do século 19, que estabelece o modelo das polícias modernas, quando o duque de Wellington força o governo a criar um órgão de força interna para evitar a utilização do Exército na repressão das revoltas sociais.

Desde então, a polícia tornou-se parte do Estado-nação moderno, voltada para manter a ordem interna dos países que a constituíram. A polícia, assim, é hoje uma instituição fundamental para manter a incolumidade das pessoas, do patrimônio e da ordem pública na sociedade moderna.”[i]

Já a eminente professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, nos ensina que durante a Idade Média, mais precisamente no período feudal, o príncipe era detentor de um poder conhecido como jus politiae e que designava tudo que considerava conveniente para a boa ordem da sociedade civil sob a autoridade do Estado, em contraposição à boa ordem moral e religiosa, própria de autoridades eclesiásticas.[ii]

Em um período no século XV, o jus politiae vai designar, na Alemanha, toda a atividade do Estado, com poderes amplos em relação ao que dispunha o príncipe, pois tinha ingerência na vida privada dos cidadãos, nela compreendida a vida religiosa e espiritual, a pretexto de alcançar a segurança e o bem estar coletivo. Em um momento posterior esse direito de polícia foi se enfraquecendo, sofrendo restrições religiosas, militares e financeiras, até a limitar-se apenas às normas relativas à atividade interna da Administração.

Finalizando seu pensamento, a renomada professora assevera que “Com o Estado de Direito, inaugura-se nova fase em que já não se aceita a ideia de existirem leis a que o próprio príncipe não se submeta. Um dos princípios básicos do Estado de Direito é precisamente a legalidade […]” [iii]

ORIGEM HISTÓRICA DA POLÍCIA BRASILEIRA

Inexoravelmente, a polícia brasileira tem seu marco inicial a partir da chegada dos portugueses em solo brasileiro, quando do início do processo de colonização, perpassando pela dominação dos colonizadores tanto sobre os índios quanto sobre os escravos trazidos do continente africano, assim, impossível dissociar a origem das instituições policiais da herança autoritária, escravocrata e clientelista, pois se confunde com a própria história brasileira.

De acordo com parte dos pesquisadores, lastreado também em documentos existentes no Museu Nacional do Rio de Janeiro, a instituição policial brasileira data de 1530, coincidindo com a chegada de Martin Afonso de Souza, 1º Governador Geral da Colônia, no início do século XVI.[iv]

De acordo com o período histórico e modelo político então vigente, se consegue apontar as características da instituição policial brasileira. No período imperial destaca-se com marco importante a criação da Guarda Real de Polícia, que guarda significativo vínculo com as Polícias Militares do Brasil.

Esta instituição foi criada em 1809 e organizada militarmente, tinha como função a manutenção da ordem, subordinada à Intendência-Geral de Polícia da Corte. A Guarda Real não tinha orçamento próprio e se mantinha de taxas públicas, empréstimos privados e subvenções de comerciantes locais. Suas técnicas baseavam-se primordialmente na violência e truculência, conforme assevera HOLLOWAY.[v]

Em pouco tempo, devido à sua ineficácia de conter as crises da época, a Guarda Real foi extinta, sendo seus oficiais redistribuídos no Exército e seus praças dispensados. Entretanto, em seu lugar aparece o Corpo de Guardas Municipais Permanente. Em 1866 o Corpo ganhou nome de Corpo Militar de Polícia da Corte e, em 1920, recebeu a designação de Polícia Militar.[vi]

Já a Polícia Judiciária Civil tem sua origem histórica vinculada à Intendência Geral de Polícia da Corte, criada no século XIX, tendo como função o Abastecimento da então Capital – Rio de Janeiro, manutenção da Ordem Pública e investigação dos crimes cometidos.

O Intendente-geral era o chefe máximo da instituição e detinha amplos poderes, ostentava o cargo de desembargador e podia prender, investigar e julgar, em um verdadeiro sistema inquisitivo de persecução penal.

Após o período imperial surge a Primeira República – 1889 – 1930, marcada pela abolição da escravatura, êxodo da população rural ex-escrava para as cidades, falta de empregos e outras mazelas sociais enfrentadas até a presente data. Assim, o papel da polícia refletia a legislação penal da época, marcada pelo direito penal do autor, punindo condutas tais como a vadiagem, prostituição, embriaguez, capoeira, tudo isso com vistas a tentar efetuar um controle social da camada menos favorecida da população, notadamente os negros.

Já a era Vargas – 1930 – 1945, apresentou uma forte concentração de poder nas mãos do Presidente da República, com seu ápice na Constituição de 1937, transformando judeus, comunistas, dissidentes políticos, entre outros, em inimigos do Estado, os quais deveriam ser controlados, assim como a classe pobre e trabalhadora, considerada perigosa.

Para alcançar seus objetivos, Vargas ampliou os poderes do Chefe de Polícia, que suplantava até mesmo a estrutura do Ministério da Justiça, diversos Delegados foram exonerados e pessoas da mais íntima confiança de Vargas assumiram esses cargos.

Consubstanciado no estudo do iminente autor FAORO [vii], a política repressiva de Getúlio Vargas tinha como fundamento o tripé: polícia política, legislação penal rigorosa e Tribunal de Segurança Nacional. Importante instrumento legislativo para entender este período foi o Decreto 24.531, datado de 02/07/1934 [viii], que materializa a reforma no aparelho estatal repressor acima citado.

Em 1964 inicia-se a fase mais obscura e cruel da polícia brasileira, com o advento do Regime Militar que durou até meados de 1985. Fase esta caracterizada pela repressão policial, supressão de remédios constitucionais, fechamento do Congresso Nacional, ampliação do poder das Forças Armadas, sobretudo do Exército, que passou a ter o domínio das Polícias Militares, tidas como força de reserva auxiliar do Exército, com a criação da Inspetoria Geral das Polícias Militares, que detinha o controle sobre o efetivo, armamento, formação e ideologia destas instituições.

Além da subordinação das Polícias Estaduais, as Forças Armadas também passaram a controlar em 1967 as Guardas Civis. Por fim, a Lei de Segurança Nacional tipificou diversas condutas consideradas subversivas, infelizmente em vigor até a presente data.

Depois do período de Governos Militares, em 1985 se inicia o processo de redemocratização brasileiro, com a instauração da Assembleia Nacional Constituinte (1987) e em seguida a promulgação da Constituição Cidadã, apoiada em valores supremos humanistas, reconhecidos mundialmente e estatuídos em diplomas normativos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e o Pacto São José da Costa Rica – Convenção Americana dos Direitos do Homem (1969), só para citar alguns dos mais importantes.

Princípios indeléveis foram positivados, como Dignidade da Pessoa Humana, Presunção de Inocência, inafastabilidade do Poder Judiciário, inexoravelmente marcando uma nova era na estrutura da polícia brasileira, na medida que tenta e deve se adequar aos novos ditames constitucionais.

Como consequência do longo processo de recrudescimento do aparelho policial, que durante boa parte do processo histórico brasileiro serviu apenas para a manutenção e atendimento das diretrizes do governante que estava no poder, devido a seus abusos, diversos poderes foram retirados das instituições policiais, além de muitos mecanismos de investigação foram judicializados, apenas a título de exemplo o Mandado de Busca e Apreensão, Prisão Temporária – antiga prisão para averiguação, entre outros.

O Ministério Público também assume importante papel no controle externo das polícias, fiscalizando os abusos e o atendimento de suas finalidades precípuas.

Entretanto, as Polícias Militares Estaduais ainda são mantidas como Força Auxiliar de Reserva do Exército, permanece o Poder dos Governadores de nomear tanto os Comandantes-Gerais das PM’s quanto os Chefes de Polícia ou Delegados-Gerais da Polícia Civil, as polícias, a exemplo a extinta Guarda Real Militar, em 1809, continuam sem autonomia financeira, dependendo das vicissitudes políticas para atender suas finalidades.

As ingerências políticas na polícia ainda são gritantes e, portanto, dissonantes com da nova ordem constitucional. Apesar de a partir da Constituição Federal de 1988 haver obrigatoriedade de concurso público para as carreiras policiais, é inegável que a falta de autonomia das instituições policiais contribui, muitas vezes, para um aparelho policial sucateado, impossibilitando-as, assim, de atender suas finalidades e, por consequência, aos anseios sociais.[ix]

Desse modo, acredita-se que muitos dos problemas hoje ainda  enfrentados pelas polícias sejam causados pela ausência de real autonomia financeira e administrativa. Assim, tal autonomia garantiria o exercício da atividade policial desvinculada de ingerências políticas, e apta a consecução de seu  fim.

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Sobre o autor: Paulo Reyner é administrador do site www.juspol.com.bratualmente Delegado de Polícia Civil e ex-Policial Militar. Graduado em Direito pela Universidade do Distrito Federal – UDF, Especialista em Ciências Criminais e Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública.

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[i] GASPARETTO, Gilberto. Polícia: Instituição que se divide em diferentes tipos de funções. Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/disciplinas/cidadania/policia-instituicao-se-divide-em-diferentes-tipos-e-funcoes.htm> Acesso em: 20/03/2015.

[ii] Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. – 25. ed. – São Paulo : Atlas, 2012.

[iii] Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. – 25. ed. – São Paulo : Atlas, 2012.

[iv] FAORO, R. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 12. ed. São Paulo : Globo, 1997.

[v] HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX. Tradução de Francisco de Castro Azevedo. Rio de Janeiro : FGV, 1997.

[vi] COSTA, Arthur Trindade Maranhão. Entre a lei e a ordem: violência e reforma nas Polícias do Rio de Janeiro e Nova York. Rio de Janeiro : Editora FGV, 2004.

[vii] FAORO, R. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 12. ed. São Paulo : Globo, 1997.

[viii]BRASIL. Decreto 24.531, datado de 02/07/1934. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-24531-2-julho-1934-498209-publicacaooriginal-1-pe.html. Acessado em 10 de fev. de 2015.

[ix] MORAES, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. – 24. ed. – 2. reimpr. – São Paulo : Atlas, 2009.

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