Por Paulo Roberto Fontenele Maia e Yrlla Alencar de Souza
Texto não analisado pelo Conselho Editorial.
Este não é um texto jurídico – muito menos científico. A situação enfrentada pelo Amapá, nos últimos dez dias, retrata perfeitamente a dura realidade com a qual a região Norte do Brasil está acostumada a lidar. Tenho origem nordestina, sei como é o sentimento de relegação histórica. Norte e Nordeste têm isso em comum. Hoje, peço licença, gostaria de falar especificamente pelo Amapá: o cenário aqui é assustadoramente massacrante.
É paralisante imaginar uma situação de retrocesso tamanho a ponto de interromper o funcionamento de um Estado inteiro da federação brasileira, em pleno ano de 2020. Sim, o Amapá inteiro (salvo três de suas cidades) sofreu o abrupto, e ao mesmo tempo paulatino, impacto do descaso social e político do qual é refém há tempos. De repente – mas não tão de repente assim –, o Estado se viu parado. Mudo. Surdo. Cego. Em um sentido figurado que beira o (sur)real.
Primeiro, faltou luz. Em seguida, comunicação. Daí em diante, os serviços de telefonia sumiram. Os hospitais ficaram prejudicados e o comércio fechou. Os supermercados e postos de combustíveis, inoperantes. Cartões de crédito não eram mais a principal forma de pagamento. Caixas eletrônicos, desabastecidos. Escassez de insumos. Até de velas.
Perdemos o estoque da doação de sangue. Por algum tempo, a UTI neonatal contou com ventilação manual. No Hospital de Clínicas Alberto Lima, até o tempo das diálises foi reduzido, a fim de poupar a energia do gerador. Sim, nos hospitais havia geradores, mas essa medida é finita, extremamente limitada para todo o funcionamento.
Sem água de beber e de banhar. O calor insuportável impediu a população de dormir. Quando a energia voltava, as pessoas precisaram escolher: ou dormiam, ou trabalhavam ou organizavam as suas casas. Muitas vezes só cochilavam, e, então, trabalhavam, enquanto organizavam a casa. É desumano. Precário demais.
Excepcionalmente, as eleições de 2020 precisaram ser adiadas em Macapá – feito que nem uma pandemia foi capaz de conseguir. Essa é, talvez, a maior prova da nossa absoluta fragilidade: até os políticos tiveram de esperar.
Como disse, é bem difícil só de imaginar. Agora pensem efetivamente viver tudo isso…
O sentimento é de esquecimento. Apesar dos verbos passados, sinto dizer, ainda estamos vivendo sob o impacto do abandono. As mídias nacionais não nos deram voz. A mídia internacional muito menos. Talvez nem saibam o que está acontecendo aqui, por isso, é importante que repassem: o que o Amapá está passando em 2020 é uma crise humanitária e, como tal, deve ser tratada.
Até quando serão (atualmente, posso dizer “seremos”) esquecidos, silenciados?
Das maiores contradições, é possível afirmar que nenhum amapaense imaginou viver um “apagão” como esse, muito embora, nos últimos anos, foram dados todos os sinais de que ele aconteceria, mais cedo ou mais tarde. Para quem não sabe, o Amapá sempre sofreu com interrupções do fornecimento de energia. Faz parte da rotina local.
Das maiores contradições, também, é preciso dizer que o Estado tem um grandioso potencial energético – são quatro usinas hidrelétricas no total –, entretanto há dez dias sua população se viu carente (praticamente ausente) de energia elétrica.
E, enfim, a maior contradição, acreditem, se deve ao fato de que muitas casas não estão tendo acesso à água, ainda que o glorioso Rio Amazonas banhe a orla de Macapá, capital do Estado.
Sem água, sem energia e sem amparo.
Aqui no Norte, de uma maneira geral, não há moeda de troca. Somos colônia do resto do Brasil (e do mundo). Muitos vêm e usam, sugam, saqueiam, e se vão – sem deixar nada. Nunca nacionalistas, mas puramente extrativistas. De fato, não são nacionalistas aqueles que sentem orgulho de outros, senão dos seus; que se curvam aos outros, sem antes se voltarem para si.
Uma lição nunca ensinada aos brasileiros é: nenhuma nação se fortalece ao fazer distinção entre o seu próprio povo. Não há sucesso em permanecer assim. Entendam: não há. E, pior, não haverá progresso nenhum se não houver mudança no comportamento social do nosso país. Entendam: para nós, brasileiros, não haverá. Enquanto estivermos apartados e desintegrados não existirá força suficiente para o desenvolvimento. Não se esqueçam: estamos do mesmo lado – precisamos que seja assim.
Lamentavelmente, nos vemos diante do sucateamento de um Estado tão rico, marcado pela falência da gestão pública. Diante dos olhos, vemos o esgotamento dos recursos naturais, que, a propósito, valem nada menos do que a nossa própria vida. Literalmente. E, para quem valoriza mais isto do que aquilo, tais recursos correspondem a um imenso poderio econômico – malgrado aproveitado.
Com isso, quero dizer aos nortistas: vocês são muito mais do que o saco sem fundo de recursos (naturais e econômicos) que o resto do mundo insiste em demonstrar – fazendo com que vocês, também, acreditem que apenas o são.
Não, não são. Pelo contrário. São um povo guerreiro e forte – mais forte do que imaginam. Acolhedores, embora expurgados. E nos dão aquilo que não recebem de ninguém. Isso é digno. Admiro o seu valoroso instinto de solidariedade. Vocês precisam enxergar que são mais do que o que, por tanto tempo, eles os fizeram acreditar.
No mais, só posso falar que tenho muito orgulho de ser nordestino(a), um tanto nortista – se me permitem dizer – e brasileiro(a). Somos múltiplos e isso merece muito respeito.
Estamos diante da valiosa oportunidade de mudar um longo processo histórico que dizimou a autoestima de grande parte da nação. Sem vocês, não conseguiremos. E, sem nós, vocês também não!
A região Norte também faz parte do Brasil. A Amazônia somos nós. Nesse caso, é, absolutamente, indissociável o “espaço” do “ser”.
E, então, somos – todos – parte de um só. Não se esqueçam disso.
Não se esqueçam de nós.
Paulo Roberto Fontenele Maia – Advogado. Procurador de Estado. Especialista em Direito Público com ênfase em gestão pública e Direito Administrativo.
Yrlla Alencar de Souza – Advogada. Analista jurídica. Especialista MBA em gestão pública. Pós-graduanda em Direito Público.
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