Por Joaquim Leitão Jr.
A Lei nº 12.850/2013 (Lei dasOrganizações Criminosas) em seu art. 1º, § 1º trouxe ao mundo jurídico a definição precisa dos componentes e características que, quando reunidas, fazem surgir uma Organização Criminosa, a saber:
“Art. 1oEsta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
- 1oConsidera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”.
- 2oEsta Lei se aplica também:
I – às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
II – às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos. (Redação dada pela lei nº 13.260, de 2016)”.
Já no art. 2º, da Lei das Organizações Criminosas traz as condutas relevantes para fins de configurações do tipo penal em cartaz:
“Art. 2oPromover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
- 1oNas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.
- 2oAs penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo.
- 3oA pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.
- 4oA pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):
I – se há participação de criança ou adolescente;
II – se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal;
III – se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;
IV – se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes;
V – se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.
5oSe houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual.
6oA condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena.
7oSe houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão”.
Não se pode olvidar que, o crime de integrar à organização criminosa é conduta de ação permanente, ou seja, é delito cuja conduta por ação, se protrai no tempo até sua cessação (quer seja com a prisão do membro faccionado nas suas variáveis [rompimento/desligamento de direito, fático, ficto e propriamente dito da conduta ser cessada], quer seja com o rompimento/desligamento por ato voluntário do membro com vínculo organizacional criminoso).
Outrossim, para início de conversa podemos sugerir uma classificação inédita para de forma didática deixar o assunto mais compreensível. Para isto entendemos ser defensável do ponto de vista teórico as seguintes ligações/integrações do membro faccionado para com à organização criminosa:
Vejamos uma a uma:
Ademais, avança-se na construção teórica para abordar e sugerir uma outra criação classificatória para, objetivamente, se criar mais segurança ao operador do Direito nestas situações de rompimento ou desligamento do membro faccionado para com à organização criminosa. Assim sugerimos num primeiro momento a seguinte classificação nesta direção: o rompimento ou desligamento fático” do membro faccionado para com à organização criminosa; do “rompimento ou do desligamento de direito/legal” do membro faccionado para com à organização criminosa; rompimento virtual/ficto dito do membro faccionado para com à organização criminosa e o rompimento ou do desligamento propriamente dito, puramente próprio ou real do membro faccionado para com à organização criminosa, a saberem:
Poderíamos ainda procurar uma outra construção teórica classificatória, com a inversão das premissas anteriores, pontuando as seguintes proposições:
É importante se ter em mente a busca desses critérios objetivos para se construir algo teórico que tenha consistência e auxilie o intérprete nestas situações, porque o agente faccionado não se pode valer da própria torpeza e ter a sua conduta relevante eventualmente ignorada para fins penais.
Em nossa concepção haveria num mundo ideal (que não é a nossa realidade brasileira) e teórico ao menos 02 (duas) situações para que, hipoteticamente, a conduta permanente cessasse ao membro faccionado que integrasse organização criminosa, sendo uma delas a prisão em flagrante (ou prisão cautelar: prisão preventiva ou temporária) e a outra o rompimento/desligamento do faccionado com o vínculo na organização criminosa por ato voluntário – o que poderia render sua morte, conforme as inúmeras produções cinematográficas e a própria vida real nos mostram.
Entretanto, sabemos que a prisão em flagrante delito (ou prisão cautelar: prisão preventiva ou temporária) pode ter ou não condão de provocar o rompimento/desligamento de direito e/ou faticamente do vínculo do membro para com a organização, o que faria com que sua conduta cessasse no mundo jurídico e/ou factual. Assim, para fins de direito e/ou faticamente, o preso estará sem contato e sem vínculo associativo com os demais membros da organização, entendendo-se que a conduta foi cessada e novo descortinamento da prática de outro novo vínculo do alvo faccionado daria azo para novo crime – com possibilidade de nova autuação e seus desdobramentos.
Pode, todavia ocorrer o inverso das premissas anteriores e nenhuma das situações projetadas ocorrerem, mas avancemos nas exposições.
Trabalhemos uma outra situação hipotética, visando ilustrar melhor a discussão. Suponhamos que o alvo “A” juntamente com mais 9 (nove) alvos são investigados por envolvimento numa hipotética organização criminosa num Inquérito Policial, em que mais tarde é desencadeada uma operação policial que culmina com a prisão dos alvos. Para fins de direito e/ou faticamente, o preso estará sem contato e sem vínculo associativo com os demais membros da organização, o que aponta que a conduta foi cessada. Com efeito, se tempos depois, numa outra investigação os alvos “A” juntamente com mais 9 (nove) alvos aparecessem novamente, vindo a ser descortinada nova prática de outro vínculo do alvo faccionado com à organização, daria azo para novo crime de organização criminosa – com possibilidade de nova autuação e seus desdobramentos.
Com isto surge à indagação: o agente membro de organização criminosa preso numa operação pelo aludido crime (em decorrência de prisão cautelar: prisão preventiva ou temporária); ou o agente faccionado preso numa diligência policial em situação flagrancial ou mesmo o agente membro de organização criminosa investigado numa situação pelo crime de organização criminosa num outro contexto investigativo, poderia responder posteriormente em outro contexto fático pelo mesmo crime sem incorrer em “bis idem”?
O problema continua: como resolver o impasse jurídico se o agente faccionado mesmo após preso, alvo de operação, ou alvo de investigação continuar, subjetivamente, ligado à organização criminosa – ainda que objetivamente esteja rompido seu vínculo? É possível mesmo com a prisão do agente faccionado ou investigação presumir o seu desligamento/rompimento temporal com à organização criminosa (rompimento/desligamento de direito, fático, ficto e propriamente dito da conduta ser cessada)?
De outro quadrante: se realmente for viável comprovar que o agente faccionado continua a integrar a mesma organização criminosa – e que em momento algum se desintegrou desta–, onde mesmo depois de ser alvo da operação ou investigações não houve desmantelamento daquela, e por consequência, a permanência daquele não teria cessada? Esta resposta ficará para outro artigo e em outra oportunidade, mas é importante refletir sobre ela até lá.
Continuemos as explanações. Primeiro sabe-se que dificilmente, o preso faccionado na realidade brasileira rompe o contato com o mundo exterior, o que dificulta o desmantelamento das organizações criminosas que continuam a agir, inclusive muitas das vezes com ordens partindo de dentro dos presídios pelo agente preso faccionado e arregimentando ações delitivas impactantes no seio social (incêndio de ônibus; ataques a prédios institucionais; execuções etc). Logo, poderia ser o caso de não se ter o rompimento de direito ou faticamente do agente preso faccionado para com a organização criminosa, e vice-versa, embora faticamente e/ou de direito, o preso estará sem contato com os demais membros, caso não consiga manter os vínculos de dentro do Sistema Prisional com à organização.
Segundo ao que se sabe, o tema nessa direção nunca foi explorado e não pode ser ignorado nesses aspectos importantes em que a criminalidade organizada se expande.
Num mundo ideal em que celular e visitas não conseguem fazer interlocução do agente faccionado com o mundo fora da Cadeia e do Sistema Prisional, seria intuitivo dizer que o seu laço de associação foi rompido/desligado de direito/faticamente/virtualmente/propriamente dito para com a organização criminosa com a cessação de sua conduta permanente. Entretanto, não é isso que ocorre em regra no Brasil e mesmo depois de preso ou do surgimento de uma investigação em outro contexto (em que no pretérito já se teve uma outra investigação onde se apontou o envolvimento do alvo faccionado numa organização criminosa) aparecem condutas relevantes do agente membro de facção criminosa, indicando ter este renovado sua integração ou até mesmo ter permanecido na organização mesmo depois de preso ou investigado em momento distintos.
Assim, após o “desmantelamento” da organização (possibilidade do rompimento/desligamento de direito, fático, ficto e propriamente dito da conduta ser cessada de “integrar”), com a saída do agente preso faccionado da Cadeia/Sistema Prisional e reintegrando à organização criminosa; ou demonstrando que mesmo após aquela prisão renovou seu vínculo de integração à organização; ou mesmo investigado num contexto diverso de outro em que também foi identificado como célula da organização, pensa-se que o membro faccionado pode ser alvo de nova ação policial e de novo crime, pois o contexto fático é outro. Realmente, do ponto de vista jurídico, a tarefa de separar as situações em sede de organização criminosa não é uma tarefa fácil e vai exigir do profissional do Direito, cautela e prudência para se evitar injustiça de “bis in idem” e ao mesmo tempo hipertrofia na repressão e combate ao crime organizado.
Depois dessa análise também, é preciso saber se as investigações eram ou não paralelas, pois se fossem paralelas e concomitantes poderiam ensejar o odioso “bis idem” até mesmo procedimental. Todavia, se as investigações cronologicamente se deram em momentos diversos, uma investigação primeiro e depois de certo tempo, a outra investigação, se constatando que faticamente e/ou de direito a ligação/integração do membro faccionado se deram em tempos diversos e que o preso ou alvo ficou sem contato com os demais membros ou rompeu faticamente e/ou de direito com à organização, é perfeitamente sustentável imputar novo crime de organização criminosa.
Com maior razão, não se tem maiores problemas para visualizar mais de uma conduta em momentos distintos na hipótese de rompimento propriamente dito, rompimento puramente próprio (ou real) do membro faccionado para com à organização criminosa em que realmente o agente da organização rompe com a facção seja de direito, seja faticamente, podendo depois vir a renovar ou não sua integração na organização.
Não há carta de alforria, nem carta branca e nem “anistia às avessas” em nosso ordenamento jurídico ao membro faccionado que mesmo diante do rompimento de direito, fático ou propriamente dito, renova sua integração em organização criminosa nas situações expostas e nem se poderia chegar a esse pensamento.
Desta sorte, o membro faccionado incidiria no crime de organização criminosa em contexto fático diverso.
Em conclusão ao tema, pensa-se que a conduta do crime de organização criminosa como crime permanente do núcleo “integrar” seja perfeitamente viável que esta conduta ocorra por mais de uma vez em contextos fáticos diferentes,diante do rompimento de direito, fático ou propriamente dito, onde o agente renove sua integração em organização criminosa. Isso ocorrendo, pode ensejar responsabilizações distintas e investigações autônomas, sem “bis in idem”.
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