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A in(constitucionalidade) da Medida Provisória n° 821/2018 e o Ministério Extraordinário da Segurança Pública


Por Joaquim Leitão Júnior[1] e Raphael Zanon da Silva[2]

Mal foi publicada a Medida Provisória nº 821/2018 criando o Ministério Extraordinário da Segurança Pública e já foi dado início aos debates internos nas instituições policiais.

A criação do ministério gerou repercussões entre as entidades que representam delegados e agentes da Polícia Federal. A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) divulgou nota na qual avaliou que a criação do novo Ministério da Segurança Pública “pode ser prejudicial”. De outro lado, como era de esperar, a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), disse ver a medida com “otimismo”.

Consoante o art. 40-A, a ser acrescido na Lei 13.502/17 (Medida Provisória nº 821/2018), caberá à pasta do Ministério Extraordinário da Segurança Pública exercer a política de organização e manutenção da Polícia Civil, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal; e a defesa dos bens e dos próprios da União e das entidades integrantes da administração pública federal indireta.

O novo Ministério da Segurança Pública será responsável, por exemplo, pela Polícia Federal e pela Polícia Rodoviária Federal, atualmente sob o comando do Ministério da Justiça. Igualmente, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), os conselhos de Segurança Pública e de Política Criminal e Penitenciária, além da Secretaria Nacional de Segurança Pública, também migrarão para o novo ministério.

Por se cuidar de uma Medida Provisória, o ato de criação do ministério já passa a valer como lei com a publicação. A partir de então, o Congresso Nacional terá até 120 dias para aprovar, rejeitar ou até mesmo modificar a medida provisória. Se o texto não for analisado nesse prazo, a medida provisória perderá validade.

Em outra oportunidade recente, já foi criticada a criação de uma pasta para o assunto. Em tempos de intervenção federal, não se pode querer modificar um modelo de Polícia com clara repartição de atribuições constitucionais. Tais órgãos de Polícia Judiciária, mesmo com o sucateamento velado e sistematizado denunciado ao longo do tempo, apresenta resultados além das expectativas para a realidade que os circunda.

E mais, a intervenção federal que está ocorrendo no Estado do Rio de Janeiro é medida política e sem planejamento, tendo por objetivo (ou deveria) auxiliar as forças policiais a recuperar ordem pública. As forças federais devem agir sem violar os direitos fundamentais dos cidadãos, já que a intervenção federal não é sinônimo de Estado de Defesa.

Necessário ressaltarmos que o modelo de Polícia previsto pela Constituição Federal de 1988 nunca recebeu investimentos adequados, tanto na Polícia de prevenção, quanto na Polícia de repressão criminal, o que nos faz pensar na necessidade de, antes de discutirmos um modelo ideal para a Segurança Pública no Brasil, investir no modelo atual além de conceder autonomia administrativa e financeira a estes órgãos tão importantes para garantia dos direitos fundamentais.

Em suma, a falta de investimento – principalmente nas Polícias Civis e Federal, responsáveis pela investigação e umbilicalmente ligadas ao Poder Judiciário e ao sistema de Justiça Criminal – gera ineficiência e impunidade.

Investir na inteligência policial, materiais adequados para o exercício da atividade e, claro, nos profissionais que compõem seus quadros são medidas que se fazem necessárias para que, não só o pequeno crime seja evitado e reprimido, mas também a criminalidade organizada.

A fiscalização das fronteiras e divisas do Brasil ganham relevância quando o assunto é o tráfico de drogas e de armas. Possibilitar o ingresso de tais produtos no Brasil é facilitar o empoderamento da atuação do crime organizado.

Do contrário do que vem sendo pregado por algumas entidades e, até mesmo, por congressistas, não acreditamos que a criação de pautas como a da unificação das Polícias e, até mesmo, criação de carreira única dentro das Polícias Civis e Federal sejam de interesse público.

Tais questões possuem caráter oportunista e não buscam solucionar o verdadeiro problema da Segurança Pública no Brasil, mas sim atender interesses de certas classes de servidores públicos que buscam, por vezes, burlar o sistema de acesso ao cargo que se dá por meio do concurso público.

Afinal, há ou não a (in) constitucionalidade da Medida Provisória que criou o Ministério Extraordinário de Segurança Pública?

Nos termos do art. 62 “caput” da Constituição Federal relevância e urgência são pressupostos constitucionais para a edição de Medidas Provisórias. A matéria, por sua vez, é relevante, haja vista que a sociedade tem inserido a segurança pública como prioridade do Estado há anos.

Contudo, a mesma sorte não assiste à hipotética urgência pois, se assim fosse, a medida provisória já teria sido editada. Com o advento da criminalidade organizada, principalmente com o PCC (Primeiro Comando da Capital – São Paulo) e com o CV (Comando Vermelho – Rio de Janeiro) a Segurança Pública começou a apresentar sinais de falência.

Em rápida análise, a criminalidade organizada surge diante da ausência do Estado. Logo, inexistindo a presença do Estado em certa localidade e ausente repressão por parte da Polícia, braço armado do Estado, a título de exemplo, o grupo que, inicialmente era de pequena relevância no cenário criminal ganha força, dinheiro, arma-se e passa a controlar um bairro. Ausente o Estado, o grupo se expande e cria um verdadeiro “Estado paralelo”, com normas e regramentos próprios.

Vejam que o surgimento do crime organizado no Brasil é recente e data da década de 70, momento em que presos políticos foram enclausurados juntamente com presos comuns. A partir de então, o Estado demonstrou, cada vez mais, sua incompetência para lidar com este tipo de criminalidade especializada.

Há muito tempo a segurança pública tem dado sinais e recados de que algo era preciso ser feito e apenas quando se chega ao caos, ou próximo dele, procurar estabelecer uma medida com força de lei, em ano eleitoral e de importantes votações do Congresso Nacional nos parece uma medida eleitoreira, tangenciando o verdadeiro objetivo da Medida Provisória.

Logo, vê-se de cara que a Medida Provisória nº 821/2018 carece de um de seus pressupostos de validade, qual seja, a urgência, o que a faz formalmente inconstitucional.

Outro ponto intrigante está no fato de ser criado um Ministério Extraordinário da Segurança Pública o que, necessariamente, o faz ter caráter excepcional, ou seja, somente existirá enquanto a Segurança Pública no Brasil não for “passada a limpo”. Pelo visto, veremos que, mais uma vez, algo que deveria ter prazo de duração tornar-se-á permanente.

Por último, ao vermos que a indigitada Medida Provisória também ampliou o rol de atribuições do art. 144 da Constituição Federal, se percebe uma burla à vedação constitucional (que proíbe modificações constitucionais em tempos de intervenções federais) e o quadro juridicamente se agrava mais ainda, quando se visualiza que a propalada medida provisória, por via transversa, mira fazer às vezes de uma emenda constitucional – vedada durante a intervenção federal ao tratar questões que estão inseridas na Lei Maior (art. 60, § 1º, da CF/88).

A propósito, confira o que estabeleceu a aludida medida provisória quanto ao alargamento das atribuições, estabelecendo que competirá ao Ministério Extraordinário da Segurança Pública exercer

  1. a) a competência prevista no art. 144, , incisos Ia IV, da Constituição, por meio da polícia federal;
  2. b) o patrulhamento ostensivo das rodovias federais, na forma do art. 144, , da Constituição, por meio da polícia rodoviária federal; (…)

Ora, pode ser que tenha havido uma “impropriedade legislativa”, facilmente resolvida por meio da hermenêutica, mas sabemos que o Ministério não possui competência, ou melhor tecnicamente dizendo, atribuição legal e constitucional para exercer, ainda que indiretamente, as atribuições da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, o que se levado adiante pode constituir numa verdadeira usurpação às avessas ou por via oblíqua ao Texto Constitucional – sem dizer da inconstitucionalidade patente.

Conclusão

Em rápida e breve conclusão, pensamos ser discutível a constitucionalidade da medida provisória que criou o Ministério Extraordinário da Segurança Pública, já que o pressuposto da urgência foi desarrazoadamente utilizado.

Ademais, focar em medidas singelas como criação de nova pasta ministerial com ações vagas e genéricas – até o momento anunciadas pelo Governo Federal – sem medidas auxiliares na prevenção, no combate e repressão ao crime, não traz melhorias à sociedade. A falta de investimentos em educação, saúde, criação de empregos, distribuição de renda e outros direitos sociais fazem com que a medida seja inócua e eleitoreira.

O trato da Segurança Pública deve ir além da criação de um Ministério. Merece, antes de qualquer coisa, com já dito, investimentos maciços para a efetivação dos direitos sociais; lembrar ao Poder Judiciário que ele é um dos atores no sistema e que suas decisões refletem diretamente no micro e macro ambiente criminal.

Em suma, a in (constitucionalidade) da Medida Provisória nº 821/18 vai além de questões de natureza jurídica, passando pela necessidade de uma nova avaliação da história brasileira e do comportamento social dos cidadãos e, principalmente, dos Poderes da República.

 


[1] Joaquim Leitão Júnior é Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso, atualmente lotado como delegado adjunto da Delegacia Especializada de Roubos e Furtos de Barra do Garças. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colunista do site Justiça e Polícia, coautor de obra jurídica e autor de artigos jurídicos.

[2] Raphael Zanon da Silva possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2009), pós-graduação em Direito Público pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus (2011) e pós-graduação em Direito Penal pela Escola Paulista de Magistratura-SP (2014). Também é pós-graduado em Direito Processual Penal pela Escola Paulista de Magistratura-SP (2016). Aprovado no exame 140º da OAB, é ex Delegado de Polícia do Estado do Espírito Santo e atualmente é Delegado de Polícia Civil do Estado de São Paulo. Na área acadêmica atuou como Professor de Direito Penal junto à Anhanguera Educacional, e como professor convidado do Curso Complexo Andreucci de Ensino. É professor concursado da Academia da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

 

Referências bibliográficas:

LEITÃO JÚNIOR, Joaquim. Autonomia administrativa e financeira das polícia judiciárias em tempos de intervenção federal. Publicado no site do Portal Nacional dos Delegados.com. Disponível em: <<https://delegados.com.br/jurídico/autonomia-administrativaefinanceira-das-policia-judiciarias-em-tempos-de-intervencao-federal>>. Acesso em 27 de fevereiro de 2018.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15º Ed. São Paulo. Saraiva. 2011.

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