O reconhecimento pessoal e reconhecimento fotográfico na gestão de elementos informativos e/ou provas nas investigações criminais
Texto não analisado pelo Conselho Editorial
Por Joaquim Leitão Júnior
Não é de hoje que podemos afirmar o quanto o reconhecimento de pessoas nas investigações criminais representa um instrumento importante e foi consolidado em nosso meio jurídico.
Todavia, o reconhecimento de pessoas nas investigações criminais também traz em sua essência problemáticas tais como: falsas memórias, de induções entre outros que devem ser enfrentados para se evitar reconhecimentos que tragam injustiças (erros policiais/erros judiciais).
Essas recordações que são empregadas no reconhecimento de pessoas para obter elementos informativos ou provas de um determinado delito, pode incorrer em enganos não raros na literatura policial e judiciária.
O reconhecimento de pessoas está assentado no art. 226, do Código de Processo Penal:
CAPÍTULO VII
DO RECONHECIMENTO DE PESSOAS E COISAS
Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:
I – a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;
Il – a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;
III – se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;
IV – do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.
Parágrafo único. O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.
Pela disposição literal do dispositivo supra, o essencial é a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento possa descrever a pessoa que deva ser reconhecida (art. 226, inciso I, do CPP) e no ato de reconhecimento deverá ser lavrado auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais (art. 226, inciso II, do CPP).
No que se refere ao inciso II, do art. 226, do Código de Processo Penal, este reza que “Il – a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la”. Esta redação “se possível” está empregada no sentido de que não é toda vez e nem sempre se dará dessa forma. Com isto, não há palavras inúteis no texto de lei e esta constatação é importante para se entender melhor o que vem guiando a interpretação do exegeta.
O Supremo Tribunal Federal (HC nº 77.576/RS) e o Superior Tribunal de Justiça (AGRg no Ag nº 972.087/SC) têm admitido o reconhecimento de pessoas em juízo (e o mesmo raciocínio é perfeitamente aplicável em sede policial), inclusive anotando que para o ato de reconhecimento haveria dispensa das formalidades previstas no art. 226, do CPP. O argumento é de que o Código de Processo Penal acena que “se possível” será empregado as diretrizes do dispositivo legal. Partindo da premissa de que não há palavras inúteis no texto de lei, temos para nós de que se não for possível perfilar as pessoas com as características, nada impede que o reconhecimento seja levando em consideração.
Conquanto esta tem sido a posição reiterada dos Tribunais Superiores (apesar da sinalização de possível mudança de entendimento ao menos do STJ), lembramos da posição da doutrina Carla Cristina Di Gesu e de Aury Lopes Junior que sustenta:
Em que pese a legislação processual brasileira fazer menção à “possibilidade” de a pessoa ser reconhecida ser colocada ao lado de outras que tenham as mesmas características físicas, defendemos a obrigatoriedade do procedimento, tendo em vista se tratar de ato formal. Neste caso, a interpretação as lei deve ser restrita, pois somente desta forma estar-se-á garantindo a observância das regras do jogo – não devemos nos esquecer que a forma do ato é garantia para o processo – e, principalmente, evitando à formação de falsas memórias (DI GESU, 2010, p. 132- 133).
A doutrina e jurisprudência também discutem a valoração do reconhecimento fotográfico – deixando claro que os Tribunais Superiores para o ato de reconhecimento já possuem (ou ao menos possuíam) o entendimento pela dispensa das formalidades previstas no art. 226, do CPP. Nos incumbiremos de falar do âmbito doutrinário, já que antecipamos em parte a posição dos Tribunais Superiores.
Uma primeira corrente entende ser possível a valoração do reconhecimento fotográfico como prova (Fernando Capez).
Outra segunda corrente defende a imprestabilidade desta modalidade de reconhecimento como prova (Aury Lopes Junior).
No que concerne o reconhecimento fotográfico, o STF (RT nº 739/546) e o STJ também possuem entendimentos admitindo a prestabilidade dessa prova, com valoração relativa.
O Superior Tribunal de Justiça entendeu recentemente no HC 598886 diferentemente do que é exigido pelo Código de Processo Penal, as pessoas que participaram no caso concreto do reconhecimento em sede das investigações não realizaram a prévia descrição do criminoso, nem lhes foram exibidas outras fotos de possíveis suspeitos. O STJ registrou que, em vez disso, a polícia optou pela fotografia de alguém que já teria praticado, em tese, outros crimes, mas que não indicava ter vinculação com o roubo investigado.
Dando prosseguimento na análise, a Corte de Cidadania abordou que ainda quando se procura seguir no reconhecimento fotográfico, com as adaptações do procedimento indicado no CPP para o reconhecimento presencial, não há como ignorar o caráter estático da fotografia, a qualidade da foto, a ausência de expressões, trejeitos corporais e a quase sempre a visualização apenas do busto do suspeito podem comprometer a idoneidade e a confiabilidade do ato.
No próprio julgamento, o STJ citou que o reconhecimento equivocado de alvos suspeitos tem sido uma das principais causas de erro judiciário, levando inocentes à prisão. Baseado nesta fala, o STJ citou nos Estados Unidos, à criação em 1992 da Innocence Project, entidade fundada por advogados especialistas em postular indenizações ao Estado, em virtude de eventuais condenações de inocentes. Segundo o julgado, em pesquisa feita pela Innocence Project, aproximadamente 75% das condenações de inocentes se devem a erros cometidos pelas vítimas e por testemunhas ao identificar os suspeitos no ato do reconhecimento. Em 38% dos casos em que houve esse erro, várias testemunhas oculares identificaram incorretamente o mesmo suspeito inocente”, afirmou.
Assim, o Superior Tribunal de Justiça acabou por conferir uma possível sinalização de nova interpretação do artigo 226 do CPP, para que até mesmo em sede de reconhecimento fotográfico seja observado rigorosamente às exigências do art. 226, do CPP.
O que voltamos a chamar a atenção do operador do Direito, é de que a psicologia do testemunho deve se ater às problemáticas tais como: falsas memórias, de induções entre outros que devem ser enfrentados para se evitar reconhecimentos que tragam injustiças (erros policiais/erros judiciais).
A memória corresponde a possibilidade de guardar e reter ideias, impressões e conhecimentos adquiridos sobre fatos, coisas etc. Remete também à lembrança, à reminiscência (GIACOMOLLI e DI GESU, 2008, p. 4336).
Nesse sentir, a memória pode ser classificada em dois grupos: de um lado a memória procedural e em memória declarativa de outro lado.
Temos por memória procedural aquela memória que permite a aprendizagem de atividades como jogar bola, utilizar instrumentos musicais, cozinhar, etc. Estas informações guardadas e retidas pelo cérebro e que são reproduzidas através de ritual, ou sendo mais preciso reproduzidos por uma habitualidade motora ou sensorial estabelecida pela repetição exaustiva do ato (LOPES JUNIOR e DI GESU, 2007).
Noutra banda, a memória declarativa, objeto central de análise sobre a falsa memória, diz respeito à memória de fatos, eventos, pessoas, faces, conceitos e ideias. Em sede desta memória declarativa, se olvidar de detalhes ao longo do tempo é fator facilmente extraído de situações vivenciadas, ainda mais se estivermos perante uma tragédia. Logo que ocorrem os fatos, as pessoas costumam lembrar do acontecimento com riquezas de detalhes (embora seja uma parte de fragmento de um todo). Porém, com o decurso temporal, estes fatos são esquecidos em suas minucias, apesar de restar a lembrança do momento dramático (LOPES JUNIOR e DI GESU, 2007, p. 61).
Em avanço as abordagens, convém destacar que, as falsas memórias podem surgir de 02 (duas) formas distintas, a saberem: de forma espontânea e implantada/sugerida (STEIN, 2010).
As definições de falsas memórias espontâneas consistem naquelas criadas internamente no indivíduo como resultado do processo normal de compreensão de um evento (STEIN, 2010).
Noutra vertente, as falsas memórias sugeridas/implantadas significam àquelas que resultam de uma interferência (sugestão) externa ao indivíduo, seja esta interferência (sugestão) proposital ou não, cuja ocorrência está vinculada à aceitação de uma falsa informação ‘a posteriori’ ao evento ocorrido e a subsequente incorporação na memória original. Assim, nela, o reconhecedor após presenciar um evento que transcorrera lapso temporal considerável, recebe uma nova informação que lhe é apresentada como fazendo parte do evento original, quando na realidade não faz (STEIN, 2010, p. 25-26).
Por exemplo, a depender das singularidades, se a pessoa a ser reconhecida estiver mais de 5 (cinco) metros da pessoa reconhecedora isso pode trazer problemas.
Ademais, dados periféricos podem interferir também, já que na condição humana não conseguimos focar em tudo ao redor que pode contemplar detalhes importantes para se ter um reconhecimento técnico, adequado e acima de tudo justo, principalmente em lugares de infrações penais que hajam mais de uma pessoa no meio.
Outros detalhes como indução de agentes da polícia devem ser evitados, ou seja, não se pode induzir a pessoa reconhecedora a confirmar que aquela pessoa é o autor da infração penal. É imperioso que haja cautela e prudência no aludido ato de reconhecimento para se evitar o ato de indução.
Em conclusão, tem-se que é de fundamental importância o instituto de reconhecimento de pessoas e reconhecimento fotográfico, embora haja potenciais problemáticas que podem surgir nas investigações criminais que devem ser ponderadas, a fim de evitar reconhecimentos por falsas memórias, reconhecimentos induzidos e ao mesmo tempo se permitir que estas modalidades de reconhecimentos sejam úteis ao deslinde investigatório, desde que empregadas de maneira séria e com observância rigorosa das exigências legais.
Ademais, é importante se ter em vista à sinalização de possível mudança de posição jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça que acabou por conferir uma nova interpretação do artigo 226 do CPP, para que até mesmo em sede de reconhecimento fotográfico seja observado rigorosamente às exigências do art. 226, do CPP.
Joaquim Leitão Júnior – Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Atualmente Assessor Institucional da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colunista do site Justiça e Polícia, palestrante, coautor de obras jurídicas, autor de artigos jurídicos e professor de cursos preparatórios para concursos públicos.
Referências Bibliográficas:
LOPES JUNIOR, Aury; GESU, Carla Cristina Di. Falsas memórias e prova testemunhal no processo penal: em busca da redução de danos. In: Revista de Estudos Criminais, Ano VII, n. 25. Sapucaia do Sul: 2007, p. 59-69.
MANDARINO, Renan Posella; FREITA, Marisa Helena D´Arbo Alves de. O RECONHECIMENTO DE PESSOAS NO PROCESSO PENAL E A FALSA MEMÓRIA. Disponível em: <<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=0d2ac0e8224a99eb>>. Acesso em 24 de novembro de 2020.
STEIN, Lilian Milsnitsky et. al. Falsas memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 2010.
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