Os noticiários têm relevado apreensões vultosas de valores em dinheiro (euros, dólares e reais) dentro de malas, apartamentos, fundos falsos, cofres entre outros recintos com ligação ou em poder de pessoas suspeitas de integrarem organizações criminosas.
Com isso surge a primeira inquietação: esse dinheiro apreendido em apartamento, residência, casa ou em veículo do investigado ou em outro veículo ou imóvel de terceiro pode configurar crime de lavagem de dinheiro?
Antes de se ingressar na resposta, ainda é necessário frisar que o crime de lavagem de dinheiro é composto por 3 (três) etapas ou fases, sendo que essas etapas ou fases necessariamente não precisam ocorrer (STF – RHC 80816).
Superado esses pontos, cumpre realizar-se uma análise objetiva dos casos, lembrando que para avaliar se houve ou não ocultação dependerá de cada caso concreto.
O verbo “ocultar” deve ser interpretado com a prudência necessária, sob pena de subverter e cair-se no subjetivismo – algo que não se pode tolerar em Direito Penal. No dicionário ocultar quer expressar o seguinte: não (se) deixar ver; escamotear; encobrir(-se), esconder(-se); não revelar; não demonstrar; disfarçar, dissimular; subtrair às vistas, dissimular; sonegar; calar.
A Lei nº 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Capitais) preconiza o verbo ocultar a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes diretamente ou indiretamente de infrações penais, como modalidade criminosa:
“Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:
I – os converte em ativos lícitos;
II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.
2o Incorre, ainda, na mesma pena quem:
I – utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal;
II – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.
3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal.
4o A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa.
A origem do dinheiro é essencial para auxiliar o intérprete dentro da objetividade das apreensões vultosas de valores em dinheiro (euros, dólares e reais) em malas, fundos falsos, cofres etc com ligação ou em poder de pessoas suspeitas de integrarem ramificações criminosas.
É cediço que para configuração do crime de lavagem de dinheiro, os valores devem ser oriundos de infração penal. Esse é o primeiro aspecto que deve ser analisado para a análise do caso.
Segundo, é imprescindível a existência da suspeita fundada e justificada da origem criminosa ou contravencional no momento em que os valores são encontrados e apreendidos – ainda que de maneira superficial –, pois o fato de se encontrar quantias vultosas em espécie ou de outras formas não configura por si só, o delito de lavagem de capital.
Não é habitual pessoa física ter sob sua guarda ou manutenção, valores vultosos em seu apartamento (casa/residência entre outros ambientes) ou de terceiros, porquanto além de não se conferir segurança necessária desses valores que podem ser alvos de ações delitivas por terceiros, é um indicativo inicial de forma objetiva de que os valores podem ser provenientes da prática de lavagem de dinheiro – apesar de serem necessárias outras análises adiante, uma vez que além da segurança, os valores poderiam ser aplicados em investimentos para rendimento maior também.
De outro lado, se for localizada quantia não exagerada de valores em espécie em apartamento (casa/residência) do suspeito ou de terceiros, num primeiro momento pode ilustrar possível conduta normal de se guardar ou manter valores em espécie para uso corriqueiro, embora isso não afaste definitivamente a possibilidade desses valores advirem da prática de lavagem de capital.
Não se pode confundir a prática ocultar valores de infrações penais com o mero exaurimento do crime, condutas que via de regra não possuiria o condão de atrair a incidência do figurino legal do crime de lavagem de capital. Exemplo desta premissa é o ladrão que furta o pedestre e depois é encontrado com dinheiro – objeto do furto – ocultado em sua casa.
Ah! Mais o critério vultoso dos valores ocultados não seria subjetivo? Na verdade, o critério vultoso dos valores ocultados deve ser analisado no caso concreto. É algo que objetivamente é possível aferir. Por exemplo, ocultar valores vultosos na ordem de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), não é prática habitual, mormente quando esses valores em dinheiro pudessem ser aplicados com rendimentos e segurança.
Nessa hipótese, não há num primeiro momento uma justificativa aparentemente plausível por aquele que tiver ocultando valores em apartamento (casa/residência) do suspeito ou de terceiros. Neste caso, os valores devem ser apreendidos com a prisão flagrancial do responsável, se for o caso, para posterior aprofundamento da investigação no prazo legal. O verbo ocultar valores oriundos de infração penal é conduta permanente (crime permanente), cuja prática e consumação se projeta no tempo, cessando o crime com a prisão do flagranteado ou se interrompida a conduta de outro modo.
Ademais, uma vez apreendido os valores, com fundada plausibilidade de sua procedência ilícita, caberá àquele que se apresentar como legítimo proprietário comparecer no órgão competente, para comprovação da sua origem lícita, nos termos da Lei 9.613/98.
Terceiro, no exame do caso, a forma como o dinheiro é encontrado, vai ser importante para indicar os tipos “dissimular” e “ocultar”.
Podemos elencar algumas situações para melhor compreensão:
- Não se tratando de quantia expressiva, se o dinheiro é localizado em gaveta, criado ou em local de fácil acesso, eventualmente sem trancas ou chaves, em tese, o crime de lavagem de dinheiro não estaria configurado, por algumas razões: o fácil acesso aparente dos valores disponíveis para a sua utilização, demonstra em linha de princípio a não tipificação do crime em estudo. A rigor, se teria hipótese de dinheiro “guardado” ou sob a posse da pessoa (sem previsão no tipo de lavagem), não cuidando de valores escondidos ou ocultados em casa. Entretanto, essas constatações indicativas da não configuração do crime de lavagem de capital não descartam também eventualmente, a configuração do crime de lavagem – pois pode se ter outros indicativos –, e também não retira o caráter dos valores obtidos da infração penal anterior para fins de exaurimento. É uma linha tênue que o intérprete deve se agarrar na cautela e prudência interpretativa.
- A criação de passagens secretas (atrás de armários com gaveteiros, fundos falsos), assim como porões, quartos ou cômodos destinados à acomodação de dinheiro, demonstra a nítida ocultação, apta a conduzir ao crime de lavagem na modalidade ocultar. Prosseguindo nas análises, na hipótese de dinheiro ocultado (sob a forma de enterro) no jardim em malas, baús e caixas em que se utilizam imóveis somente com este objetivo, qual seja, de ocultar o dinheiro de origem ilícita, parece não existir dúvida para a configuração do delito de lavagem de dinheiro com o elemento objetivo do tipo que é “ocultar” – e o elemento subjetivo do dolo livre e consciente de ocultar.
- Dando sequência nas reflexões, caso o dinheiro esteja em cofres, sejam ocultos (atrás de quadros) ou dentro de armários; ou em fundos falsos de armários, a situação pode configurar “ocultação”, conforme a previsão no dispositivo legal. Mas ainda assim, há que se interpretar esta disposição dos valores em face de todo o contexto probatório, e não de forma isolada, vez que esta ação pode configurar apenas a ocultação de eventuais valores surrupiados por ladrões como mero exaurimento do crime ou, conforme o caso, também pode configurar situação de ocultação para desvinculá-lo da sua origem criminosa. Neste último caso, o crime de lavagem de dinheiro deve restar configurado.
De qualquer forma, o importante será o caso concreto e suas singularidades para servir de diretriz ao intérprete.
CONCLUSÃO
Em conclusão, se o dinheiro estiver ocultado nos locais acima (ambientes) criados pelo possuidor do dinheiro ou por pessoa com ligação à organização criminosa, com o claro objetivo de ocultá-los, neste caso parece não haver dúvida de que se configura o delito de lavagem de dinheiro.
JOAQUIM LEITÃO JÚNIOR É Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Graduado pela Centro de Ensino Superior de Jataí-GO (CESUT). Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colaborador do site jurídico Justiça e Polícia, onde é colunista.
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