Por Joaquim Leitão Júnior
A infiltração policial na internet na repressão de crimes contra a dignidade sexual de criança e adolescente e a possibilidade de se estender o instituto da infiltração virtual a outras investigações de crimes diversos
Foi recém publicada a Lei nº 13.441/2017, com a entrada de vigência imediata, que permite a infiltração de agentes de polícia na internet, com objetivo precípuo de investigar crimes contra a dignidade sexual de criança e de adolescente.
A Lei nº 13.441/2017 exigiu alguns requisitos para se permitir que o agente policial infiltre virtualmente na internet, quais sejam esses requisitos:
- autorização judicial mediante requerimento do Ministério Público ou do Delegado de Polícia, em que conterá a demonstração de sua necessidade;
- o alcance das tarefas dos policiais;
- os nomes ou apelidos das pessoas investigadas;
- e, quando possível, os dados de conexão ou cadastrais que permitam a identificação dessas pessoas.
Ademais, convém destacar que, o legislador fixou prazo para a infiltração que não poderá exceder o prazo de 90 (noventa) dias, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que o total não exceda a 720 (setecentos e vinte) dias.
Com a “devida vênia” acreditamos que, o legislador caminhou de forma infeliz ao fixar prazo, porque em crimes desse jaez, exige-se tempo e a obtenção de confiança para se infiltrar e coletar o máximo de elementos informativos (ou provas). Assim, o legislador ao fixar prazo máximo acaba engessando e por comprometer investigações que exigem maior lapso temporal. O correto em nosso sentir seria apenas exigir motivação idônea para renovação da infiltração, dentro do prazo de 90 dias, por sucessivas vezes e enquanto fosse imprescindível, mas não fixar um prazo definitivo como fez de 720 dias como assim o fez o nosso legislador.
Ah! Mais alguns poderiam estar se perguntando: existe investigação que centra mais de 2[1] (dois) anos para não coletar nada? Esse prazo não seria mais do que razoável e proporcional? Como resposta acreditem, cada vez mais as pessoas que se utilizam do mundo virtual para essas práticas estão mais “ariscas” o que dificulta a infiltração e estabelecimento de vínculos capazes de permitirem a coleta maior de elementos. O feixe dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade devem ser vistos com parcimônia dentro de uma investigação, mormente diante da nossa realidade caótica (em boa parte das unidades federativas) e para se evitar a hipertrofia da proteção estatal.
Somado a isto, o efetivo humano das polícias e as ferramentas tecnológicas (internet com capacidade adequada, computadores e outros dispositivos) também podem ser um problema sob o prisma do prazo, porque boa parte da Polícia Judiciária trabalha além do limite, muitas vezes utilizando dinheiro do próprio bolso para levar adiante a atividade investigativa.
De mais a mais, em avanço às explanações, cabe abordar que o legislador trouxe como marco limítrofe de que a infiltração não será admitida quando a prova puder ser obtida por outros meios, à semelhança da interceptação telefônica, por se tratar de uma medida extremamente invasiva.
Adiante, a Lei nº 13.441/2017 estabeleceu também que o policial que se infiltrar e ocultar a sua identidade para colher indícios de autoria e materialidade dos crimes contra a dignidade sexual de criança e de adolescente não cometerá crimes.
Certamente, correntes sobre a natureza jurídica de que o policial infiltrado não cometerá crimes surgirão neste ponto sustentando: hipótese de exclusão de antijuridicidade/ilicitude (exercício regular de direito; estrito dever do cumprimento legal); causa de isenção de pena; causa excludente de tipicidade (tipicidade conglobante); causa supralegal de excludente de ilicitude/antijuridicidade; causa supralegal de excludente de culpabilidade entre outras.
De outro lado, a Lei inicialmente apenas apontou o acesso e aplicação da infiltração virtual em determinados crimes (arts. 240, 241, 241-A, 241-B, 241-C e 241-D do ECA e nos arts. 154-A, 217-A, 218, 218-A e 218-B do Código Penal), mas não restringiu de forma expressa a possibilidade de incidir em crimes diversos e fora dos mencionados dispositivos citados no Estatuto da Criança do Adolescente.
Nessa senda, já conseguimos visualizar um ponto que certamente será debatido na doutrina e na jurisprudência: É possível a infiltração de agente policial na internet para que se investigue outros crimes como associação criminosa, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, dentre outros?
Atrevemos como resposta a sustentar que sim, ou seja, acreditamos que é perfeitamente possível a infiltração virtual de agente policial na internet para que se investigue outros crimes, tais como tráfico de drogas, associação criminosa, lavagem de dinheiro entre outros. Os argumentos são os seguintes:
- Vigora no direito brasileiro a livre iniciativa probatória, assim, em tema de prova, se não houver vedação expressa, a prova é permitida;
- A lei não proibiu a infiltração virtual em outros crimes, mas apenas apontou alguns crimes. Embora seja precoce para se falar que se trata de uma lei geral sobre infiltração de agentes na internet, preferimos sustentar que a lei veio a tratar da infiltração nos crimes mencionados;
- O legislador não restringiu de forma expressa, não cabendo o intérprete limitar o alcance das previsões no campo probatório. O silêncio eloquente do legislador foi sagaz, pois quando silenciou quando poderia expressamente vedar o alcance em outros crimes, o legislador deixou a via aberta para se estender a interpretação e o alcance;
- Infrações penais graves devem merecer o mesmo tratamento processual penal, sob pena de se criar tratamentos distintos injustificados;
- A criação de previsão legal sobre produção probatória para determinados crimes não implica em dizer que está vedada a mesma produção probatória para outros crimes;
- Proibição de proteção ineficiente ao aparelho estatal;
- Proporcionalidade e razoabilidade no alcance da infiltração em outras infrações penais graves;
Comungando do mesmo posicionamento nosso pela possibilidade da infiltração policial virtual em outros crimes, citemos o juiz goiano, Dr. Rodrigo Foureaux.
Noutro quadrante, já antecipamos que certamente surgirão vozes contrárias bradando ser inviável estender a infiltração virtual em outros crimes (afora do âmbito dos dispositivos legais expressamente citados na novel lei que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente), vez que trata de limitação de direito fundamental, devendo ser interpretada restritivamente e eventual infiltração será declarada prova ilícita.
Apenas por desencargo de consciência e para evitar brados estéreis, acrescenta-se que a infiltração virtual já era discutida, doutrinariamente, no âmbito da organização criminosa e agora o legislador de forma expressa contemplou esse importante instituto em nosso diploma.
Conclusão
Por fim, sem sombras de dúvidas, apesar de alguns apontamentos pontuais, a Lei nº 13.441/2017 deu um grande passo para auxiliar no combate e repressão desses crimes contra a dignidade sexual que deixam marcas indeléveis do algoz sobre a vítima, além de se permitir o emprego da infiltração virtual, no campo investigativo, em outros crimes fora do Estatuto da Criança e do Adolescente.
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[1] Joaquim Leitão Júnior é Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Coautor da obra: Concursos Públicos – Terminologias e Teorias Inusitadas. Colaborador, colunista do site jurídico Justiça e Polícia e Professor de Cursos Preparatórios para Concursos Públicos.
Referências bibliográficas:
FOUREAUX, Rodrigo. Rede Social Facebook. Disponível em: https://www.facebook.com/rodrigo.foureaux/posts/1350091405046703?comment_id=1350091895046654&reply_comment_id=1350101858378991¬if_t=feed_comment_reply¬if_id=1494332900123144. Acesso em 09 de maio de 2017.
[1] Lembrando que dois anos equivaleria a 730 dias e não 720 dias – como estabelecido pela aludida lei. Inserimos o prazo de 02 (dois) anos apenas para facilitar à compreensão, consignando que a lei fixou o prazo de 720 dias.
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