Críticas, aspectos jurídicos e consequências da Intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro – Justiça & Polícia

Críticas, aspectos jurídicos e consequências da Intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro


Por Paulo Reyner Camargo Mousinho

Por ocasião do auxílio das Forças Armadas no estado do Espírito Santo, tivemos a oportunidade de discorrer um pouco sobre as intervenções militares para a Garantia da Lei e da Ordem no artigo intitulado As Polícias estaduais do Espírito Santo estão subordinadas às Forças Armadas?

Agora, não poderíamos deixar de tecer alguns comentários sobre a Intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro, que foi limitada à Segurança Pública, medida drástica e, pela sua própria natureza, extrema e excepcional. Algumas indagações se tornam manifestas, tais como: qual a diferença entre o emprego das Forças Armadas nas chamadas Operações para Garantia da Lei e da Ordem – GLO´s e a Intervenção Federal? Se houver crime contra os Militares Federais durante a execução da atividade típica de segurança pública, qual juízo competente para julgar e processar os acusados? Qual autoridade competente para lavrar o procedimento, Militar Federal, Delegado de Polícia Estadual ou Federal? Em caso de crimes cometidos pelos Militares Federais, qual a Justiça Competente? Quais os limites da atuação do Interventor Federal? Ele pode decretar toque de recolher? Pode efetuar prisões administrativas? Estas e outras questões se pretende discutir nesse artigo.

Antes de adentrar nos aspectos jurídicos do caso em apreço, impende destacar, particularmente como membro da Segurança Pública há mais de 15 anos, que existe um total descaso e ações superficiais em quase todas as unidades da Federação no que tange ao enfrentamento à criminalidade.

O sucateamento das Polícias aliado à falta de profundidade de questões de fundo geradoras dos crimes violentos, ligados precipuamente às marginalização da população de baixa renda, culminou no mais extremado mecanismo do Estado Democrático, retirando a autonomia temporária de um ente federativo sobre seus próprios órgãos de Segurança Pública.

Interessante notar, ainda, que o Decreto Presidencial que instituiu a Intervenção Federal optou por uma intervenção de natureza militar, nos fazendo relembrar dos períodos ditatoriais, ainda que simbolicamente.

Não é demais lembrar que poderia a Presidência da República ter nomeado um interventor civil, como um Delegado da Polícia Federal, ou um Oficial de Inteligência da Abin, por exemplo, ou ainda qualquer outro civil preparado para ocupar o cargo, no entanto, preferiu o caminho mais drástico da medida mais drástica.

Segurança Pública deve ser levada a cabo pelos atores da Segurança Pública, a nomeação de um Militar Federal para gerenciar essas atividade traz uma mensagens implícita muito preocupante: nenhum membro dos órgãos descritos no art. 144 da CF/88 seria capaz de dirimir a problemática. Mais ainda: nenhum civil seria capaz de gerenciar a Segurança Pública.  Então, partimos para a guerra, com os preparados para ela.

Chamou atenção também, as palavras do Interventor nomeado, General de Exército Walter Souza Braga Netto, na medida que indagado sobre a estratégia que implantaria na entrevista coletiva à imprensa, respondeu (pasmem!), simplesmente que ainda não havia nenhuma, pois tinha sido pego de surpresa e entraria numa fase de planejamento. Ora, após sucessivas operações para Garantia da Lei e da Ordem no Estado do Rio de Janeiro, as Forças Armadas ainda não têm uma solução mágica? Evidentemente que não, pois ela não existe. O cenário dificilmente será modificado em dez meses.

Ademais, quais foram os avanços permanentes, não meramente de caráter ostensivo e midiáticos, feitos durante as GLO´s? Nesse sentido, a intervenção promete o mais do mesmo. Militares nas ruas do Rio de Janeiro noite e dia, sem estratégias a longo prazo para dirimir questões historicamente complexas.

Ultrapassadas essas considerações, passemos aos intrincados aspectos jurídicos da Intervenção Federal.

Pois bem, situando um pouco o leitor no assunto, a Intervenção Federal está disciplinada nos art. 34, 49, IV e 84, X, todos da Constituição Federal. De início, cumpre diferenciar a medida extrema das operações para Garantia da Lei e da Ordem.

O emprego das Forças Armadas para Garantia da Lei e da Ordem – GLO´s

Como já discorremos sobre o tema, pedimos licença ao leitor para transcrever o trecho do artigo supracitado:

“Não é novidade o emprego das Forças Armadas no reforço e atuação conjunta com os órgãos de Segurança Pública no policiamento ostensivo, como ocorreu nas últimas Olimpíadas e, mais recentemente, em Natal/RN durante a retomada de determinado presídio estadual e, ainda, no Estado capixaba durante a greve da Polícia Militar, naquela ocasião com a tomada do controle operacional das Segurança Pública.

Bem, nos termos do art. 142, da CF/88, as Forças Armadas destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais, portanto, a autuação precípua do Exército, Aeronáutica e Marinha é para a defesa contra ameaças externas ou garantia de funcionamento normal dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, sob o comando supremo do Presidente da República.

No entanto, o § 1º do citado artigo constitucional outorgou à Lei Complementar esmiuçar diretrizes gerais de organização, preparo e emprego das Forças Armadas. Assim, coube à Lei Complementar n.º 97/1999 permitir a atuação das FA’s em operações em tempo de paz, na garantia da lei e da ordem na segurança pública (art. 13), inclusive, em atuação conjunta com os órgãos de Segurança Pública e, por fim, em atuação episódica, excepcional e temporária, assumindo o controle operacional da segurança pública.

Analisando os artigos 13, 15, 16 da Lei em comento, podemos sintetizar os requisitos legais cumulativos para o emprego das Forças Armadas em tarefas próprias de órgãos de segurança publica da seguinte forma:

  1. Ato do Presidente da República (art. 15, §1º);
  2. Esgotamento dos instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 15, §2º);
  3. Esse esgotamento ser reconhecido formalmente pelo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual (art. 15, §3º);
  4. Transferência do controle operacional dos órgãos de segurança pública necessários ao desenvolvimento das ações à autoridade encarregada (art. 15, §5º);
  5. Estabelecimento de um Centro de Coordenação e Operação, composto por representantes dos órgãos de segurança pública (art. 15, 5º, parte final);
  6. Atuação deve ser episódica, temporária e em área previamente estabelecida (art. 15, §4º).

Buscando o espírito da LC 97/99, para que a autoridade responsável pela execução episódica e temporária de policiamento execute suas atribuições, se faz necessária a transferência do controle operacional, por ato do Chefe do Poder Executivo Estadual, no caso. Essa autorização é necessária para resguardar a autonomia do ente federado e em respeito ao pacto federativo (CF/88, art. 1º c/c arts. 18 e 25).

Nesse prisma de ideais, somente para coordenar missões ou tarefas específicas a serem desempenhas naquela unidade federativa, sem violar nenhuma competência constitucional ou legal, é que se dá o poder das Forças Armadas. Nesse sentido, confira o texto legal estatuído no § 6º do art. 15 da LC 97/99, in verbis:

6o Considera-se controle operacional, para fins de aplicação desta Lei Complementar, o poder conferido à autoridade encarregada das operações, para atribuir e coordenar missões ou tarefas específicas a serem desempenhadas por efetivos dos órgãos de segurança pública, obedecidas as suas competências constitucionais ou legais.     (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)

Nota-se, desse modo, que as Forças Armadas no contexto das GLO´s, estão autorizadas a realizar somente as atribuições tipicamente realizadas pela Polícia Militar, dentro dos ditames constitucionais e legais, tais como revistas pessoais e veiculares, blitz, atendimento de ocorrências, prisões em flagrantes, policiamento ostensivo nas ruas, planejamento da alocação desse policiamento e definir estratégias para a retomada do controle da ordem social, motivo pelo qual houve transferência do controle operacional.”

Da Intervenção Federal

Por outro lado, a Intervenção Federal faz parte do nosso Sistema Constitucional das Crises, ao lado do Estado de Defesa e do Estado de sítio, ou seja, um conjunto de medidas constitucionalmente previstas para ocasiões de extrema raridade, pelo menos assim espera-se, no sentido de retomar o controle estatal, regularizando situação determinada, adentrando muito mais incisivamente na autonomia do ente da Federação objeto da intervenção.

Desse modo, pode ser considerada como o ato do Chefe do Poder Executivo Federal espontâneo, ou  por requisição dos outros Poderes em determinados casos, conforme previsão do art. 34 da Constituição Federal, que em situações excepcionais retira total ou parcialmente a autonomia de determinado ente da Federação, independente de reconhecimento do governo da unidade objeto da intervenção.

Em que pese haja outras hipóteses que autorizam a Intervenção Federal, nesse momento cumpre analisar especificamente a descrita no art. 34, inciso III, da CF/88, quando diz que, in verbis:

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
I – manter a integridade nacional;
II – repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III – pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV – garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
V – reorganizar as finanças da unidade da Federação que:

O procedimento da Intervenção Federal pode variar de acordo com o fundamento da sua decretação, como se depreende da análise do art. 36 do texto constitucional, pois, se o motivo for desobediência à decisão judicial, deverá haver requisição do STF, STJ ou TSE; se o fundamento for para garantir integridade dos Poderes, há necessidade de requisição do respectivo Poder afetado (Legislativo, Executivo ou Judiciário); pode ainda, se dar por provimento do STF por meio de ADI- interventiva, nos casos de violação aos princípios constitucionais sensíveis ou recusa à execução de lei federal (art. 34, VII, c/c art. 36, III, da CF/88).

Impende dizer, ainda, que depende de pronunciamento opinativo, não vinculante conforme entendimento da doutrina, do Conselho da República e Conselho da Defesa Nacional – art. 90, I, e 91, §1º, II, da CF/88.

No caso específico da Intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro, tendo como fundamento o art. 34, III, ou seja, pôr termo a grave comprometimento da ordem pública, o Congresso Nacional deve analisar o decreto presidencial, convalidando-o ou refutando-o dentro de 24 horas, conforme previsto no art. 49, IV, CF/88.

Outra consequência que chama a atenção, talvez a mais importante delas, é que o texto constitucional não pode ser emendado enquanto durar a Intervenção Federal, nos termos do art. 60,§1º, da CF/88.

Um tema que pode ensejar dúvidas é se mesmo não podendo haver emenda ao texto constitucional, determinada matéria cujo conteúdo será o da emenda, pode ser discutida ou votada nas Casas Legislativas. Ainda, se poderia o Presidente da República revogar o decreto interventivo, instituir uma GLO, votar a PEC da Reforma da Previdência, e em seguida voltar a decretar a Intervenção Federal.

O insigne doutrinador Pedro Lenza, em rápida e perspicaz análise da conjuntura que se instalou, se posicionou no sentido que mesmo a discussão de PEC não poderia ocorrer, eis que todas as PEC´s deveriam ter sua tramitação trancada. No que tange à votação, tampouco, pois o momento publicação e promulgação da emenda seria meramente declaratório, em verdadeira burla ao texto constitucional. Por fim, a revogação do decreto interventivo somente para a votação de determinada PEC, conforme o ilustre constitucionalista, pode ser visto como desvio de finalidade, eivando o ato de ilegalidade.

Certamente, ocorrendo essa hipótese, haverá divergência entre os parlamentares e, consequentemente, a questão chegará para análise do Poder Judiciário

Se houver crime contra os Militares Federais durante a execução da atividade típica de Segurança Pública, qual juízo competente para julgar e processar os acusados?

Muito embora o art. 9º, inciso III, do Código Penal Militar preveja que são crimes militares em tempo de paz os praticados por civil contra as instituições militares, contra militar em situação de atividade ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia ou preservação da ordem pública, entre outros casos, há decisão do STF em sentido contrário, interpretando restritivamente a competência da Justiça Militar.

Conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal  (HC 112936) em situação semelhante, no qual determinado cidadão foi preso e acusado de desacatar um militar das Forças Armadas, exercendo função policial de policiamento ostensivo, a natureza dessa atividade é eminentemente civil, portanto, o crime deve ser julgado pela Justiça comum Federal e não pela Justiça Militar, configurando hipótese descrita no art. 109, IV da CF/88, ou seja, crimes em detrimento de bens, serviços ou interesses da União. Veja um trecho da decisão da Suprema Corte, que utilizou o Direito Comparado para fundamentar seu julgado:

Refoge à competência penal da Justiça Militar da União processar e julgar civis, em tempo de paz, por delitos supostamente cometidos por estes em ambiente estranho ao da Administração Militar e alegadamente praticados contra militar das Forças Armadas no contexto do processo de ocupação e pacificação das Comunidades localizadas nos morros cariocas, pois a função de policiamento ostensivo traduz típica atividade de segurança pública. Precedentes. A REGULAÇÃO DO TEMA PERTINENTE À JUSTIÇA MILITAR NO PLANO DO DIREITO COMPARADO. – Tendência que se registra, modernamente, em sistemas normativos estrangeiros, no sentido da extinção (pura e simples) de tribunais militares em tempo de paz ou, então, da exclusão de civis da jurisdição penal militar: Portugal (Constituição de 1976, art. 213, Quarta Revisão Constitucional de 1997), Argentina (Ley Federal nº 26.394/2008), Colômbia (Constituição de 1991, art. 213), Paraguai (Constituição de 1992, art. 174), México (Constituição de 1917, art. 13) e Uruguai (Constituição de 1967, art. 253, c/c Ley 18.650/2010, arts. 27 e 28), v.g.. – Uma relevante sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (“Caso Palamara Iribarne vs. Chile”, de 2005) ~[…]

Assim, adotando o mesmo raciocínio do STF em julgado oriundo da atuação das Forças Armadas no policiamento realizado no Complexo do Alemão e da Penha, eventual crime previsto no Código Militar Penal e também na legislação penal comum, ou seja, crime militar impróprio, se praticado por civil contra as instituições militares, a competência para julgamento é da Justiça Federal.

Qual autoridade competente para lavrar o procedimento?

Longe de ser uma questão meramente burocrática, entendemos que as consequências desse entendimento são importantíssimas, pois, uma vez reconhecida a competência da Justiça comum Federal para julgar e processar crime cometido por civil contra os Militares Federais, a atribuição para lavratura do procedimento (TCO ou APF) é da Polícia Federal e não das Forças Armadas.

No entanto, lembrando que no rito do Código de Processo Penal Militar não existe a figura do crime de menor potencial ofensivo, inclusive é vedada a aplicação da Lei n. 9099/95 pelo art. 90-A, se fosse reconhecida a competência da Justiça Castrense, os próprios Militares das Forças Armadas deveriam lavrar, sempre, e sem direito a fiança extrajudicial, Auto de Prisão em Flagrante em relação a todos os crimes contra eles praticados, de menor potencial ofensivo ou não, o que seria bastante gravoso ao civil, o qual seria conduzido a um quartel e lá mantido preso, até decisão judicial.

Em caso de crimes cometidos pelos Militares Federais, qual a Justiça Competente?

Por fim, não podemos esquecer a recente inovação legislativa tratada pela Lei n. 13.491/17, que alterou a competência da Justiça Militar.

Sabe-se que Justiça Militar  dos Estados   compete julgar os militares dos estados, pelos crimes militares definidos em Lei (Código Penal Militar) e na legislação penal. Também tem competência cível para julgar ações judiciais contra atos disciplinares militares. Competência em razão da pessoa, à exceção de crimes de competência do júri (ex. Homicídio) art. 125, §4º, da CF/88.

 Já no que tange à Justiça Militar da União, conforme previsão do caput do art. 124, da CF, compete julgar crimes definidos em lei (previstos no CPM e na legislação penal) ; a CF não se refere à pessoa do acusado, por isso julga civil e militares, tratando-se de competência em razão da matéria.

Por um pleito dos próprios Militares Federais, a Lei n. 13.491/17 foi editada (embora com notório vício de constitucionalidade, pois era para ser uma lei temporária), alterando o Código Penal Militar, para inserir entre a competência da Justiça Militar processar e julgar os crimes previstos no CPM e os previstos na legislação penal, quando praticados, de maneira geral, por militar durante serviço.

No que tange aos Militares Federais, a Justiça Militar da União é competente para processar e julgar, inclusive, os crimes dolosos contra a vida se praticados contra civil, no contexto da garantia da lei e da ordem, ou de atuação subsidiária em conformidade com art. 142, da CF/88 c/c art. 9º, §2º, inciso III, do CPM. Assim, caso um militar das Forças Armadas, em serviço, mate um civil carioca, por exemplo, será julgado pela Justiça Militar da União, não pelo Tribunal do Júri.

Não é demais acreditar, nesse momento, que o teor da Lei 13.491/17 foi construído entre os Militares e o Presidente da República pensando previamente na possibilidade da intervenção militar federal nos estados. Há muito já se pensava nessa hipótese, não sendo crível crer que apenas em razão do último carnaval violento no Rio a Presidência pensou na intervenção.

Qual o limite de atuação do Interventor no Rio de Janeiro?

Estranhamente, o Ministro da Defesa, Raul Jungmann, informou que as Forças Armadas não teriam poder de polícia durante a intervenção. Acredita-se, data máxima vênia, que o insigne Ministro tenha se equivocado, pois até mesmo durante as GLO´s, e ainda em outros casos, os Militares Federais têm poder de polícia sobre pessoas, ou seja, podem realizar revistas pessoais, blitz, efetuar prisões em flagrante, etc.

O que não pode ocorrer é a afetação das atribuições constitucionais das Polícias Militar e Civil do Estado do Rio de Janeiro, na medida em que todas as atribuições de policiamento ostensivo e garantia da ordem pública da Polícia Militar, bem como as atribuições de investigação criminal da Polícia Civil, permanecem intactas.

Ademais, nesse particular, cumpre salientar que o texto constitucional na sua íntegra, as Leis Nacionais, Estaduais e Municipais continuam em vigor durante a intervenção e devem ser obedecidas pelo interventor militar, portanto, as competências dos Delegados de Polícia para gerenciar a Polícia Civil do Rio de Janeiro, para lavrar termos circunstanciados e flagrantes ou instaurar inquérito policial não sofreram qualquer alteração. Não poderia, por exemplo, o interventor nomear um militar para ocupar o cargo de Chefe de Polícia, nem tampouco titular de unidade policial, pois afrontaria o texto constitucional (art. 144, §4º) e as leis estaduais.

Outrossim, o cidadão preso tem o direito de ser apresentado perante o Delegado de Polícia, jamais poderia o militar conduzi-lo para uma Unidade Militar e lavrar naquele local o procedimento em se tratando de crime comum.

Ressalta-se que a maior parte das atribuições da Polícia Judiciária Civil está prevista em Lei, inclusive a legitimidade para determinados atos, a exemplo da capacidade postulatória do Delegado de Polícia para pedir busca e apreensão, prisão preventiva, interceptação telefônica e vários outros atos inerentes à investigação de crimes comuns, não podendo ser usurpadas

Indaga-se, ainda, se poderia o interventor determinar toque de recolher, efetuar prisões sem estado flagrancial ou ordem judicial, adentrar domicílios afora das hipóteses constitucionais. Evidentemente que não!! Essas medidas são extremas, violam determinados direitos constitucionais e são excepcionadas pela própria Carta Magna, estando previstas apenas na Decretação do Estado de Defesa e Estado de Sítio, conforme arts. 136 e 137 do texto constitucional, que não se confundem com a Intervenção Federal. Devem ser interpretadas restritivamente. Caso o interventor o faça, sem dúvidas alguma, incorrerá em crime de abuso de autoridade e/ou outros, a depender da situação concreta.

Administrativamente, no entanto, o interventor poderá fazer quaisquer adequações necessárias, como substituir ocupantes de funções comissionadas, a exemplo do Chefe de Polícia Civil, Comandante Geral da PM, ou Delegados Titulares de Unidades Policiais ou Comandantes de Unidades da Polícia Militar, redistribuir o efetivo policial, contratar, mediante concurso público, mais policiais, ou seja, tudo que seja de atribuição do Governador do Estado do Rio de Janeiro em relação à Segurança Pública, aliás, como prevê o art. 3º do Decreto Presidencial n. 92.88/18, assumindo o controle operacional e administrativo de todos os órgãos estaduais de Segurança Pública.

Enfim, para saber o que o interventor pode fazer, se propõe um simples raciocínio: tudo aquilo que o Governador do Rio de Janeiro poderia fazer, contudo, com emprego da sua tropa militar e recursos estaduais e federais. Nada além disso.

 


Deixe sua opinião logo abaixo, participe da discussão!

Compartilhe com seus amigos!

Caso queira receber nossas novidades cadastre-se abaixo:


SIGA-NOS NAS REDES SOCIAIS:

 


 

 

__________

Sobre o autor: Paulo Reyner é Delegado de Polícia Civil e ex-Policial Militar. Graduado em Direito pela Universidade do Distrito Federal – UDF, Especialista em Ciências Criminais e Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública. Autor do livro Peças e Prática da Atividade Policial e administrador do site Justiça & Polícia.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *