A origem da crise penitenciária brasileira – entrevista com Dr. Adeildo Nunes – Justiça & Polícia

A origem da crise penitenciária brasileira – entrevista com Dr. Adeildo Nunes

 A origem da crise do sistema penitenciário brasileiro

Justiça & Polícia: Dr. Adeildo Nunes, inicialmente gostaria de parabenizá-lo pela maneira escorreita que exerceu a judicatura no período em que foi Juiz, com decisões sempre pautadas pela técnica e senso de justiça. Agora, como advogado, certamente é uma das maiores autoridades do país no que diz respeito ao entendimento da aplicação da Lei de Execuções Penais – LEP. Muito obrigado por aceitar nosso convite, tenho certeza que será de grande valia para nossos leitores, sobretudo aos Policiais, Delegados, Promotores, Juízes e Advogados, assim como para o entendimento do público em geral.

Bem, qual a sua experiência com o Sistema Penitenciário Brasileiro? Poderia nos contar um pouco sobre o desempenho da atividade de um Juiz da Vara de Execuções Penais?

Dr. Adeildo Nunes: FUI JUIZ TITULAR DA 1ª VARA DE EXECUÇÕES PENAIS DO ESTADO DE PERNAMBUCO, DE ABRIL DE 1999 A OUTUBRO DE 2012, PORTANTO, DURANTE 13 ANOS. DE 2007 A 2010, FUI MEMBRO TITULAR DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA (CNPCP), UM ÓRGÃO DA EXECUÇÃO PENAL, VINCULADO AO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, DE 2003 A 2008. FUI, AINDA, PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASILEIRO DE EXECUÇÃO PENAL,  A PARTIR DE 2005.
COMO JUIZ DE EXECUÇÃO PENAL, CRIEI O PRIMEIRO CONSELHO DA COMUNIDADE (ÓRGÃO DA EXECUÇÃO PENAL), EM MINHA JURISDIÇÃO, QUE TINHA ATUAÇÃO EM TODOS OS PRESÍDIOS DO RECIFE E DA SUA REGIÃO METROPOLITANA.
O JUIZ DE EXECUÇÃO TEM ATIVIDADE JURISDICIONAL (PRESIDE E DECIDE NO PROCESSO DE EXECUÇÃO PENAL), COM BASE EM PEDIDOS FORMULADOS PELO PRESO, ADVOGADOS, DEFENSORES PÚBLICOS, ADMINISTRADORES DOS PRESÍDIOS, CONSELHO PENITENCIÁRIO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO. É NO BOJO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO, QUE O JUIZ DECIDE TODOS OS INCIDENTES PROCESSUAIS, ATÉ O TÉRMINO DO CUMPRIMENTO DA PENA. O JUIZ, TAMBÉM TEM ATIVIDADE ADMINISTRATIVA (INSPEÇÕES EM PRESÍDIOS, POR EXEMPLO).
ALÉM DISSO, CUMPRE AO JUIZ DA EXECUÇÃO FAZER CUMPRIR TODOS OS TERMOS DA LEI FEDERAL 7.210, DE 1984, A LEI DE EXECUÇÃO PENAL, QUE EM SÍNTESE EXIGE O CUMPRIMENTO DA PENA, PELO CONDENADO, MAS, TAMBÉM, QUER QUE O CONDENADO TENHA A OPORTUNIDADE DE SE INTEGRAR À SOCIEDADE, DEPOIS DE CUMPRIDA A PENA.

Justiça & Polícia: O senhor considera que a Lei de Execuções Penais atende a necessidade da realidade brasileira? A legislação é, de fato, aplicada na execução das penas?

Dr. Adeildo Nunes: A LEI DE EXECUÇÃO PENAL BRASILEIRA (LEI FEDERAL 7.210, DE 1984), COM AS ALTERAÇÕES POSTERIORES, SEM DÚVIDAS, É A MELHOR LEGISLAÇÃO SOBRE A MATÉRIA DO MUNDO. OS JURISTAS DE FORA COSTUMAM VIR AO BRASIL CONHECER DE PERTO A NOSSA LEI, PORQUANTO ELA É CONSAGRADA NO RESTO DO MUNDO. ASSIM, A LEI É ÓTIMA. O PROBLEMA, PORÉM, ESTÁ NA FALTA DO SEU CUMPRIMENTO. A LEP É POR DEMAIS MODERNA. NÃO PRECISAMOS DE UMA NOVA LEI. ESTA QUE ESTÁ AÍ ESTÁ INTEIRAMENTE DE ACORDO COM AS NOSSAS NECESSIDADES, SE BEM QUE ALGUMAS COISAS PODERIAM SER ALTERADAS. PARA SE TER UMA IDEIA, A LEP ESTABELECE QUE OS PRESOS EM REGIME FECHADO DEVEM CUMPRIR A PENA EM CELAS INDIVIDUAIS. ORA, ESSA VISÃO ERA DE 1984. ESTAMOS EM 2017. QUANDO A LEP FOI APROVADA O BRASIL TINHA 48 MIL PRESOS. HOJE TEM 700 MIL. COMO SE VÊ, OS PRESOS SÃO CUSTODIADOS EM GRANDES PAVILHÕES, SEM QUALQUER TIPO DE SEPARAÇÃO, (PELA IDADE, SEXO E TIPO DE CRIME), COMO MANDA A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NO CAMPO DA EXECUÇÃO PENAL, O BRASIL NÃO CUMPRE A LEI E NEM TAMPOUCO A SUA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Juspol: A Holanda vive hoje um problema inusitado com o fechamento de diversos presídios por excesso de vagas[i]. Ao contrário, o Brasil tem uma realidade bastante diferente, pois, em 1990 o país tinha cerca de 90 mil presos e já conta com quase 700 mil em 2017. Mesmo com a Política Penal de desencarceramento, com aplicação de institutos como transação penal, penas alternativas, substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, ainda é preciso avançar mais?

Dr. Adeildo Nunes: A CULTURA POPULAR E DE ALGUMAS AUTORIDADES PÚBLICAS, EQUIVOCADAMENTE, É DE QUE A PRISÃO RESOLVE PROBLEMAS SOCIAIS. É CULTURAL ACHAR QUE A PRISÃO REDUZ A CRIMINALIDADE. ESSAS PESSOAS QUE ASSIM PENSAM, REPRESENTAM O ATRASO, JÁ QUE A VINGANÇA COMO FINALIDADE DA PENA, HÁ MUITO DESAPARECEU. MUITOS SE DELEITAM QUANDO ASSISTEM PELA TV PESSOAS PRESAS. SÃO PESSOAS QUE NÃO CONHECEM NOSSAS PRISÕES E NÃO TÊM NEM IDEIA DE COMO OS PRESOS BRASILEIROS SÃO TRATADOS DENTRO DAS NOSSAS MASMORRAS. PRENDEMOS MUITO, MAS PRENDEMOS MAL. O INSTITUTO DA PRISÃO PREVENTIVA TEM SIDO UTILIZADO COM FREQUÊNCIA, PORQUE AS HÁ UMA CONSCIÊNCIA NACIONAL DE QUE A PRISÃO PELO MENOS PÕE O ACUSADO ATRÁS DAS GRADES. NÃO SABE A SOCIEDADE – E OS EPISÓDIOS DE MANAUS, BOA VISTA E NATAL COMPROVAM ISSO – QUE OS PRESOS CONTROLAM NOSSOS PRESÍDIOS. O ESTADO PRENDE MUITAS VEZES SEM NECESSIDADE, MAS DENTRO DA PRISÃO QUEM MANDA É O PRESO. O ESTADO, DE HÁ MUITO, ABDICOU DE ADMINISTRAR AS PRISÕES. ADMINISTRAM SÓ COM O NOME.
DESDE 1984 QUE O BRASIL AUTORIZA A APLICAÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO EM SUBSTITUIÇÃO À PRISÃO, EM TODOS OS CRIMES EM QUE A PENA COMINADA FOR IGUAL OU INFERIOR A 4 ANOS. PORÉM, COMO DISSE, A GRANDE MAIORIA DOS JUÍZES BRASILEIROS AINDA ACHA QUE SOMENTE A PRISÃO RESOLVE. NÃO SABEM ELES – E EU FUI JUIZ – QUE ESTÃO FAZENDO UM MAL SOCIAL ENORME, MORMENTE QUANDO SE TRATA DE CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO E DE CRIMINOSOS PRIMÁRIOS. POR OUTRO LADO, O INSTITUTO DA PRISÃO DOMICILIAR TAMBÉM NÃO É UTILIZADO PELA JUSTIÇA BRASILEIRA, QUANDO, EM CASOS ESPECÍFICOS, ELA SERÁ MAIS ÚTIL E CUSTARÁ MUITO MENOS AOS COFRES PÚBLICOS. BEM POR ISSO, O BRASIL É O QUARTO PAÍS DO MUNDO EM POPULAÇÃO CARCERÁRIA – SÓ PERDEMOS PARA EUA, CHINA E RÚSSIA.

Juspol: O Doutor concorda com a crítica que argumenta que a “culpa” pelo excesso de presos do Sistema Penitenciário é do Poder Judiciário ou da Polícia, que determina/realiza prisões desnecessárias?

A CULPA PELA SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA É DA SOCIEDADE – QUE EXIGE MAIS PRISÃO – DE PARTE DA IMPRENSA QUE ESTIMULA A PRISÃO COM PROGRAMAS DE RÁDIO E TELEVISIVOS E, CLARO, DOS ÓRGÃOS QUE COMPÕE A JUSTIÇA CRIMINAL (JUDICIÁRIO, MINISTÉRIO PÚBLICO, POLÍCIA JUDICIÁRIA E PODER EXECUTIVO DA UNIÃO E DOS ESTADOS). COM A INTRODUÇÃO DAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA COMPROVOU-SE QUE 40% DOS QUE SÃO PRESOS EM FLAGRANTE, SÃO SOLTOS PELO JUIZ. ISSO QUER DIZER QUE A PRISÃO EM FLAGRANTE NÃO DEVERIA TER SIDO LAVRADA. DEPOIS, O NÚMERO DE HABEAS CORPUS CONCESSIVO DE LIBERDADE NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA É ALARMANTE, COMPROVANDO, ASSIM, QUE MUITAS DAS PRISÕES PREVENTIVAS DECRETADAS OU MANTIDAS PELOS JUÍZES E TRIBUNAIS ESTADUAIS E FEDERAIS NÃO DEVERIAM TER SIDO DETERMINADAS. O MINISTÉRIO PÚBLICO, POR OUTRO LADO, ÁS VEZES ESQUECE QUE ELE É, TAMBÉM, UM INSTRUMENTO DE DEFESA DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, JÁ QUE COMUMENTE QUER A CONDENAÇÃO DE TODOS OS QUE SÃO PROCESSADOS CRIMINALMENTE. EU SEMPRE ACHEI QUE ESSA CULTURA DA PRISÃO IRIA DESEMBOCAR NO QUADRO CARCERÁRIO QUE ESTAMOS ASSISTINDO EM TODO PAÍS, ONDE AS PRISÕES ESTÃO ENTREGUES AOS PRESOS E O ESTADO NÃO QUER MAIS CONTROLÁ-LAS.

 Juspol: Conforme relatório do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2016[ii], aproximadamente 40% dos presos são provisórios. De fato, os dados sobre presos no Brasil são confiáveis? Há certa demora no julgamento dos crimes por parte do Poder Judiciário?

 MESMO COM AS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA, QUE COMPROVADAMENTE TÊM REDUZIDO O NÚMERO DE PRISÕES, O BRASIL AINDA É O PAÍS QUE MAIS DECRETA PRISÕES PREVENTIVAS. OS ALTOS ÍNDICES DE CRIMINALIDADE VIOLENTA CHEGA À CABEÇA DE ALGUNS JUÍZES, QUE AINDA ACHAM QUE A PRISÃO RESOLVE TUDO, QUE A PRISÃO ISOLA O CRIMINOSO. NÃO É VERDADE, POIS DENTRO DAS PRISÕES OS PRESOS ESTÃO SOLTOS, COM APARELHOS DE COMUNICAÇÃO, DROGAS, MULHERES. DENTRO DA PRISÃO SÓ NÃO TEM ESCOLAS, SAÚDE E NEM TRABALHO, UMA OBRIGAÇÃO DO ESTADO, QUE NUNCA FOI CUMPRIDA E NEM É EXIGIDA PELA SOCIEDADE, QUE ACHA QUE A PRISÃO É UM PROBLEMA DO PODER PÚBLICO. ISSO TUDO FAZ COM QUE CRESÇA O NÚMERO DE PRESOS PROVISÓRIOS, POIS A JUSTIÇA CRIMINAL ESTÁ ASSOBERBADA DE PROCESSOS, COM POUCOS JUÍZES PARA ATUAR. DEPOIS, ACABOU A ERA EM QUE OS FORMADOS EM DIREITO QUERIAM SER JUÍZES. HOJE, UM ADVOGADO DEPOIS DE 5 ANOS DE FORMADO TEM REMUNERAÇÃO MAIOR QUE O MAGISTRADO, ENQUANTO A IMPRENSA DIVULGA QUE OS MAGISTRADOS SÃO DETENTORES DE ALTOS SALÁRIOS. JUIZ SÓ PODE SER PROFESSOR E NADA MAIS.
PORÉM, É PRECISO NÃO ESQUECER QUE A CRIMINALIDADE NO BRASIL TEM AUMENTADO ASSUSTADORAMENTE. SE A POLÍCIA PRENDESSE TODOS QUE PRECISAM SER PRESOS, CERTAMENTE O BRASIL JÁ ESTARIA ENTRE OS DOIS PRIMEIROS LUGARES EM POPULAÇÃO CARCERÁRIA. QUANTO MAIS CRIME, MAS JUÍZES SÃO NECESSÁRIOS. A REALIDADE É OUTRA.

Juspol: No início dos anos 2000, segundo estudiosos do crime organizado, houve certo equívoco por parte dos Administradores Públicos quando primeiramente ignoraram o início de uma das maiores organizações criminosas do país (quem sabe do mundo), momento em que presos se agruparam no Estado de São Paulo, e posteriormente (anos mais tarde) separaram esses presos em presídios federais localizados em unidades federativas diversas, o que possibilitou a difusão da ideologia da facção criminosa.

Agora, percebemos o avanço de diversas facções criminosas no país, inclusive com uma guerra declarada entre elas. O que, na sua opinião, seria considerada uma forma eficaz de dirimir o impacto do crime organizado comandado de dentro dos presídios brasileiros?

QUEM CONHECE O SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO SÃO FOI PEGO DE SURPRESA COM OS EPISÓDIOS DE MANAUS, BOA VISTA E NATAL. ESSA TIPO DE ATITUDE DOS PRESOS PODE SER REVIGORADA A QUALQUER MOMENTO, EM QUALQUER PRESÍDIO DO PAÍS. ISSO PORQUE SÃO OS PRESOS QUE CONTROLAM AS PRISÕES. O ESTADO ABDICOU DO CONTROLE, QUANDO ENTREGOU AOS PRESOS A TAREFA DE ADMINISTRAR OS GRANDES PAVILHÕES. HOJE, O PRESO PARA SER APRESENTADO AO JUIZ TEM QUE TER AUTORIZAÇÃO DOS LÍDERES DO TRÁFICO. A OMISSÃO DO PODER PÚBLICO, DESRESPEITANDO DIREITOS DO PRESO, A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AS LEIS, FEZ COM QUE OS PRESOS SE ORGANIZASSEM, DANDO ENSEJO ÀS FACÇÕES QUE EXISTEM NOS PRESÍDIOS E FORA DELES. O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO, CRIADO PARA CASTIGAR, AINDA MAIS, OS PRESOS, TAMBÉM DEU CAUSA A ESTE QUADRO DE ANOMALIA, ONDE O ESTADO PRENDE, MAS NÃO ADMINISTRA AS PRISÕES.

Juspol: Já foram registradas mortes de presos em sete Unidades Federativas brasileiras[iii] (AM, RR, RN, PB, AL SP, MS), em pelo menos 4 das 5 regiões do país. Com sua experiência da área, há risco real dessa violência se alastrar por todo o país? Nesse caso, qual deveria ser postura das autoridades brasileiras?

A MORTE DE PRESOS – SOMENTE EM 2016 FORAM 2 MIL – PASSA DESPERCEBIDO PELA SOCIEDADE, PELAS AUTORIDADES E PELA IMPRENSA. A SOCIEDADE ATÉ SE VANGLORIA COM AS MORTES, NUM TOTAL DESRESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS. A PENA É A PRIVAÇÃO DA LIBERDADE E NÃO DA VIDA. ESSAS MORTES NAS PRISÕES, COMUMENTE, SEQUER SÃO INVESTIGADAS. NÃO HÁ INTERESSE DO ESTADO EM INVESTIGAR, PORQUE A SOCIEDADE NÃO COBRA ESTE TIPO DE COMPORTAMENTO DAS NOSSAS POLÍCIAS. DE TUDO RESULTA QUE AS MORTES CONTINUAM ACONTECENDO, À VISTA DE TODOS E DE TUDO, SEM QUALQUER ATITUDE DO PODER PÚBLICO.
A FORMA D ESTADO TRATAR OS PRESOS NÃO ENVOLVIDOS COM FACÇÕES, FAZ COM QUE OS HUMILHADOS PROCUREM CORRENTES CRIMINOSAS PARA SE FILIAR. É UMA FORMA DE SE DEFENDER DAS AGRESSÕES FÍSICAS E MORAIS QUE O SISTEMA IMPÕE.
ASSIM, A VIOLÊNCIA HOJE ESTÁ NAS RUAS E DENTRO DAS PRISÕES. O ESTADO PECA EM PRODUZIR POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA E PENITENCIÁRIA. NÃO HÁ PROJETOS DE RESSOCIALIZAÇÃO, COMO QUER A LEI. NÃO É MAIS POSSÍVEL QUE UM PRESO CUSTE TÃO CASO E SAIA PIOR DO QUE ENTROU. NÓS ESTAMOS GERANDO FUTUROS CRIMINOSOS PERIGOSOS QUE SEM ALTERNATIVAS PERMANECEM NO CRIME PORQUE O ESTADO E SOCIEDADE VIRAM AS COSTAS.
É EXIGIDO, ASSIM, QUE OS CULPADOS SEJAM PUNIDOS, MAS QUE SEJA OPORTUNIZADO AO CRIMINOSO O DEVER DO ESTADO DE RECUPERÁ-LO PARA UMA NOVA VIDA EM CONSONÂNCIA COM OS ANSEIOS SOCIAIS.

Juspol: Temos experiências positivas e negativas sobre a administração privada dos presídios. Em sua opinião quais são as vantagens e desvantagens desse modelo de administração penitenciária? O poder de polícia do Estado pode realmente ser transferido a particulares?

 QUEM TEM QUE ADMINISTRAR AS PRISÕES É O ESTADO.ISSO NÃO SIGNIFICA QUE ALGUNS SERVIÇOS PRISIONAIS NÃO POSSAM SER REALIZADOS PELO PARTICULAR. A ASSISTÊNCIA À SAÚDE (MÉDICOS, ENFERMAGEM) PODE SER REALIZADA PELA INICIATIVA PRIVADA. PORÉM, QUEM TEM QUE OFERECER ASSISTÊNCIA JURÍDICA AO PRESO É A DEFENSORIA PÚBLICA. ESTÁ DEVERAS COMPROVADO QUE UMA EMPRESA PRIVADA NÃO TEM NENHUM INTERESSE EM RECUPERAR O CRIMINOSO, ATÉ PORQUE ELA É REMUNERADA DE ACORDO COM A QUANTIDADE DE PRESOS. QUANTO MAIS, MELHOR PARA O FATURAMENTO DA EMPRESA. OS CUSTOS FINANCEIROS DE UMA PRISÃO REGIDA PELO PARTICULAR, HOJE, ESTÁ EM TORNO DE R$ 5 MIL. UM VALOR SIGNIFICATIVO PARA UM PAÍS POBRE, QUE PODERIA APLICAR ESSE DINHEIRO NA EDUCAÇÃO DE MILHARES DE CRIANÇAS QUE ESTÃO SEM ESCOLAS.
HOJE NOS JÁ TEMOS MUITOS PROBLEMAS NAS PRISÕES POR OMISSÃO DO ESTADO. ENTREGAR OS PRESÍDIOS AO PARTICULAR, ABERTAMENTE, É FUGIR DA RESPONSABILIDADE, QUANDO SE SABE QUE É O ESTADO QUE PRENDE E QUE PUNE.

Juspol: Qual a verdadeira origem da crise do Sistema Penitenciário brasileiro?

BRASIL SEMPRE VIVEU DE CRISE CARCERÁRIA. A ASCENSÃO DO CRIME ORGANIZADO NOS PRESÍDIOS, PORÉM, DESEMBOCOU NA MAIOR CRISE DE TODOS OS TEMPOS. CULPA DO PODER PÚBLICO QUE NUNCA SE INTERESSOU PELAS PRISÕES E NEM PELA OBEDIÊNCIA À LEI DE EXECUÇÃO PENAL. COM UMA SOCIEDADE DESINFORMADA QUE QUER SE LIVRAR DOS CRIMINOSOS, O ESTADO SENTIU-SE NO DIREITO DE ABANDONAR AS PRISÕES E DEIXAR QUE O PRESO CUIDE DELAS. ISSO PORQUE OU O ESTADO NÃO SABE OU NÃO QUER MAIS ADMINISTRAR AS PRISÕES. A CRISE É DO ESTADO BRASILEIRO E NÃO APENAS DO SEU SISTEMA PENITENCIÁRIO. ENQUANTO O BRASIL TRATAR OS SEUS PRESOS DA FORMA QUE SEMPRE FEZ, HAVERÁ PROBLEMAS, PORQUE TUDO TEM LIMITE E OS PRESOS JÁ PROVARAM QUE PODEM SE ORGANIZAR E ATINGIR A SOCIEDADE E O PRÓPRIO MODELO DEMOCRÁTICO. AS AUTORIDADES PÚBLICAS HÃO DE CUMPRIR A CONSTITUIÇÃO E AS LEIS. SÓ PRECISA ISSO PARA RESOLVER OS GRAVES PROBLEMAS CARCERÁRIOS.

Juspol: Alguns estudiosos entendem que a expressão “ressocialização” é equivocada, pois em muitos casos os reeducandos sequer foram socializados, seja por falta de educação, lazer, orientação familiar etc. O senhor considera possível haver ressocialização no atual cenário carcerário brasileiro? Qual seria uma solução pragmática e viável?

RESSOCIALIZAR SIGNIFICA SOCIALIZAR NOVAMENTE. ORA, QUEM ENTRA NOS PRESÍDIOS BRASILEIRO É O ANALFABETO, SE PROFISSÃO, DESEMPREGADO, SEM FAMÍLIA E VICIADO EM DROGAS. UM PERFIL DESSE APONTA PARA QUEM NUNCA FOI SOCIALIZADO. POR ISSO, SERIA O BASTANTE QUE O ESTADO, DENTRO DAS PRISÕES, SOCIALIZASSEM OS PRESOS, OFERECENDO ESCOLAS, SAÚDE, TRABALHO, DISCIPLINA E LAZER. COMO FAZER? BASTA CUMPRIR A LEI DE EXECUÇÃO PENAL. ESTÁ TUDO LÁ BEM DEFINIDO. HAVENDO VONTADE POLÍCIA, CERTAMENTE O BRASIL SAIRÁ DESSA ANORMALIDADE INSTITUCIONAL.

Juspol: Recentemente o STF em julgamento histórico determinou que todos os Tribunais do país implantassem a audiência de custódia, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a Autoridade Judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão. Além disso, declarou que o Sistema Penitenciário brasileiro vive um “estado de coisas inconstitucional”, determinando o liberação dos recurso proveniente do Fundo Penitenciário Nacional. Qual seria a melhor maneira de racionalizar os recursos financeiros desse fundo?

O SFT DEMOROU MUITO PARA RECONHECER ESTE “ESTADO INCONSTITUCIONAL”, VEZ QUE DE HÁ MUITO DIZEMOS QUE O SISTEMA PENITENCIÁRIO PRECISAVA DE ATENÇÃO ESPECIAL POR PARTE DAS AUTORIDADES PÚBLICAS. EMBORA TENHA RECONHECIDO O QUADRO CAÓTICO DAS NOSSAS PRISÕES, ANDOU MAL QUANDO AUTORIZOU A EXECUÇÃO DA PENA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA. NA VERDADE, STF AUTORIZOU UMA ANTECIPAÇÃO NO CUMPRIMENTO DA PENA, QUANDO A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO EXIGE QUE HAJA A COISA JULGADA.
PORÉM, A MESMA CORTE DE JUSTIÇA INOVOU AO APROVAR A SÚMULA VINCULANTE 54, AUTORIZANDO QUE OS JUÍZES DE EXECUÇÃO USEM A PRISÃO DOMICILIAR EM SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO, QUANDO NÃO HOUVER VAGAS NOS PRESÍDIOS. INFELIZMENTE, A SÚMULA VEM SENDO POUCO UTILIZADA, MAS SABE-SE QUE O SFT CUMPRIU A SUA MISSÃO.
A FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL FOI CRIADO, EM 1994, EXCLUSIVAMENTE PARA DISTRIBUIR RECEITAS PARA A CONSTRUÇÃO, REFORMA E MANUTENÇÃO DE PRISÕES. CONTUDO, ESSA DISTRIBUIÇÃO NUNCA ACONTECEU EM SUA TOTALIDADE. MUITOS PRESIDENTES NÃO MANDAVAM DINHEIRO PARA OS ESTADOS QUE TIVESSEM GOVERNADORES DE OPOSIÇÃO. VERBAS DO FUNDO FORAM CONTINGENCIADAS, COMO SE O SISTEMA PRISIONAL NÃO PRECISASSE DE RECURSOS FINANCEIROS. O STF, O ANO PASSADO, PROIBIU ESTE CONTINGENCIAMENTO. PODE SER QUE AGORA AS VERBAS CHEGUEM. ALIÁS, QUE VENHAM, PORQUE O ESTADOS NÃO TÊM RECURSOS PARA AS PRISÕES.

Juspol: O senhor tem várias obras publicadas sobre execução penal e o Sistema Penitenciário, poderia fazer um breve resumo dos assuntos expostos em seus livros?

PUBLIQUEI OS LIVROS:
A REALIDADE DAS PRISÕES BRASILEIRAS (DISSERTAÇÃO DE MESTRADO), RECIFE: NOSSA LIVRARIA, 2005.
DA EXECUÇÃO PENAL. RIO DE JANEIRO: EDITORA FORENSE, 2009, 2011 E 2013 (TRÊS EDIÇÕES)

EXECUÇÃO DA PENA E DA MEDIDA DE SEGURANÇA (TESE DE DOUTORADO). SÃO PAULO: MALHEIROS EDITORES, 2012.
COMENTÁRIOS À LEI DE EXECUÇÃO PENAL. RIO DE JANEIRO: EDITORA FORENSE, 2016.

 

 Juspol: Mais uma vez obrigado por sua colaboração com o site Justiça & Polícia. Temos certeza que suas ideias colaboraram bastante para o esclarecimento do assunto.

Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Lusíada de Lisboa. Foi Juiz de Direito em Pernambuco (1990/2012). É professor da Uninassau. Advogado. Presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas e Sociais – IBCJUS. Autor de livros e administra o site  www.adeildonunes.com.br.

 

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[i] The Greenest Post. Holanda fecha 19 presídios por falta de presos. Disponível em: < http://thegreenestpost.bol.uol.com.br/holanda-fecha-19-presidios-por-falta-de-presos/>. Acesso em 19.01.2017.

[ii] Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2016. Disponível em: < anuário 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2016. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/produtos/anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/10o-anuario-brasileiro-de-seguranca-publica. Acesso em 19.01.2017.

[iii] Dados disponíveis em: < http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/01/1850238-governo-do-rn-ainda-busca-por-mais-corpos-em-presidio-apos-rebeliao.shtml>. Acesso em 19.01.2017.

1 comentário em “A origem da crise penitenciária brasileira – entrevista com Dr. Adeildo Nunes

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